Como diagnosticar a TVP na emergência

Trombose venosa profunda (TVP) é uma das formas de apresentação do Tromboembolismo venoso (TEV), que consiste em um evento marcado pela formação de um coágulo no leito vascular, com obstrução do fluxo sanguíneo.

A TVP corresponde a quase dois terços dos casos de TEV e sua incidência aumenta com a idade. A distribuição conforme o sexo tem uma característica interessante: as mulheres costumam ser afetadas em faixa etária mais jovem, enquanto os homens têm o diagnóstico em idade mais avançada.

A doença pode ser subdividida de acordo com dois aspectos: sua localização e etiologia (tabela 1).


Apesar de menos comum, a Trombose Venosa Profunda pode ocorrer em membros superiores. O sistema profundo dos membros superiores é composto pelas veias radial, ulnar, interóssea, braquial, axilar e subclávia (figuras 1 e 2). Na maioria das vezes, a TVP de membro superior tem causa etiológica definida, como associação a cateteres, trombofilias ou neoplasias.

Figura 1: Irrigação venosa do membro superior (antebraço e mão).
Figura 2: Representação das principais veias do membro superior.

Complicações da TVP

A trombose venosa profunda pode gerar complicações agudas, subagudas e crônicas, motivo pelo qual deve ser tratada logo que se faz o diagnóstico.

São complicações conhecidas:

  • Recorrência de trombose;
  • Trombose extensa: Flegmasias Dolens;
  • Tromboembolismo pulmonar;
  • Insuficiência venosa crônica;
  • Síndrome pós-trombótica;

Para mais detalhes sobre outro tipo de TEV, acesse nosso texto: Tromboembolismo pulmonar agudo em 10 perguntas.

Com o objetivo de evitar as complicações do quadro, devemos fazer o diagnóstico o mais precoce possível, e para isso, vamos revisar os aspectos mais importantes na abordagem diagnóstica de TEV na emergência.

Quando Suspeitar?

A suspeita clínica na emergência geralmente surge a partir de duas queixas: Dor e edema assimétrico de membros. Pode haver ainda sinais flogísticos locais e alterações de sensibilidade. Em casos mais avançados é possível que haja perda de função do membro com dificuldade de mobilização.

O quadro clínico da TVP pode variar entre oligossintomático a grave, e os sintomas da doença tem diferentes sensibilidade e especificidade:

Observem que esses sintomas clínicos são muito frequentes na TVP, e quando todos estão ausentes, o diagnóstico se torna improvável, devido ao seu alto valor preditivo negativo. Outro ponto a se observar é que nenhum desses sinais é específico o bastante para a confirmação do diagnóstico, o que traz a necessidade de considerar diagnósticos diferenciais e lançar mão de exames complementares confirmatórios.

Um desses exames confirmatórios é a ultrassonografia à beira leito. Para maiores detalhes sobre esse assunto, acesse nosso texto: Ultrassonografia à beira leito – Porque saber e quando utilizar?

O sinal de Homans (dor na panturrilha com a dorsiflexão do pé) pode estar presente no exame físico, porém não tem acurácia suficiente para confirmar ou descartar a TVP.

Além da suspeição clínica, durante a avaliação do paciente na emergência, devemos procurar identificar fatores de risco que podem reforçar a nossa suspeita diagnóstica. São eles:

Em quais diagnósticos diferenciais devo pensar?

Existem algumas situações clínicas que podem apresentar sintomas e/ou achados de exame físico semelhantes a TVP:

  1. Celulite;
  2. Edema de origem linfática;
  3. Insuficiência venosa crônica;
  4. Hematoma muscular;
  5. Cisto de Baker;
  6. Tromboflebite superficial;
  7. Compressão linfonodal;
  8. Aneurisma vascular

Quais ferramentas posso utilizar para o diagnóstico?

Os pacientes com suspeita clínica de TVP devem passar por uma avaliação de probabilidade pré-teste para aumentar o acurácia do diagnóstico com os exames complementares. Vários escores foram validados para esse fim, dentre eles o Escore de Wells modificado [6], que é o mais utilizado para ajudar a definir a melhor estratégia de abordagem no diagnóstico inicial (tabela 6).

O escore é simples, prático e deve ser usado no paciente que chega na emergência com sintomas e sinais de TVP.

Os estudos de validação do escore de Wells descrevem incidências crescentes de acordo com a probabilidade pré-teste [7]:

  • Baixa probabilidade: 3%
  • Probabilidade intermediária: 17%
  • Alta probabilidade: 50-75%

Apesar de ter seu uso extrapolado para pacientes internados, o escore de Wells foi validado para pacientes externos. Com isso, o melhor cenário para utiliza-lo é no serviço de emergência [7]. 

Como fazer o diagnóstico definitivo?

Vários exames podem ser utilizados para o diagnóstico de TVP. A escolha de qual estratégia utilizaremos depende do risco definido pelo escore de Wells modificado (Two level score – Provável ou improvável) [6].

Para os pacientes de TVP improvável (1 ponto ou menos), podemos utilizar o D-dímero como ferramenta. Esse exame avalia um produto de degradação da fibrina do coágulo, e quando negativo tem o poder de descartar o diagnóstico, haja vista seu alto valor preditivo negativo. Caso venha positivo, é necessário seguir com a propedêutica de imagem.

Os pacientes com TVP provável (2 pontos ou mais) devem ser avaliados com métodos de imagem para confirmar ou descartar o diagnóstico. O dupplex scan venoso continua sendo o método de imagem standart para o diagnóstico nestes casos. 

Na emergência, o POCUS (Ultrassom point of care) com compressão tem acurácia adequada para o diagnóstico e pode ser utilizado pelos médicos da emergência para esse fim. Estudos mostram que esta técnica pode chegar a uma sensibilidade de 96,1% e especificidade de 96,8%. A abordagem mais indicada é denominada “2 points / 2 region”, avaliando a região poplítea e femoral comum.

No curso USEM os alunos têm a oportunidade de aprender na prática como realizar essa técnica simples e rápida para o diagnóstico de trombose venosa profunda. 

Uma metanálise publicada em 2019 comparou essa técnica com a de três pontos (poplítea, femoral comum e femoral superficial). Os resultados demonstraram que não há diferença significativa entre os métodos. Com isso, pela facilidade de execução, o método de dois pontos se tornou o de escolha[4]. 

Outros exames de imagem podem ser utilizados, porém, devem ser reservados para situações especiais, como dificuldade técnica no exame de ultrassom ou dúvida diagnóstica. Exemplos desses exames são AngioTC venosa, AngioRNM venosa e Venografia ascendente por contraste. A venografia já foi o método padrão ouro, porém hoje se encontra em desuso.

Referências

1 – Mazzolai L.,  Aboyans V., Ageno W, et al. Diagnosis and management of acute deep vein thrombosis: a joint consensus document from the European Society of Cardiology working groups of aorta and peripheral vascular diseases and pulmonary circulation and right ventricular function. European Heart Journal (2018) 39, 4208–4218. doi:10.1093/eurheartj/ehx003

2 – Lim W, Le Gal G, Bates S. M, et al. American Society of Hematology 2018 guidelines for management of venous thromboembolism: diagnosis of venous thromboembolism. Blood, 2018. doi: 10.1182/ bloodadvances.2018024828.

3 – Kearon C., Bauer K. A., et al. Clinical presentation and diagnosis of the nonpregnant adult with suspected deep vein thrombosis of the lower extremity. Uptodate. Literature review current through: Mar 2020. | This topic last updated: Nov 30, 2018.

4 – Lee JH, Lee SH, Yun SJ. Comparison of 2-point and 3-point point-of-care ultrasound techniques for deep vein thrombosis at the emergency department: A meta-analysis. Medicine (Baltimore). 2019;98(22):e15791. doi:10.1097/MD.0000000000015791

5 – Sandler DA, Martin JF, Duncan JS, Blake GM, Ward P, Ramsay LE, Lamont AC, Ross B, Sherriff S, Walton L. Diagnosis of deep-vein thrombosis: comparison of clinical evaluation, ultrasound, plethysmography, and venoscan with X-ray venogram. Lancet. 1984 Sep 29;2(8405):716-9. doi: 10.1016/s0140-6736(84)92625-4.

6 – Wells PS, Anderson DR, Rodger M, Forgie M, Kearon C, Dreyer J, Kovacs G, Mitchell M, Lewandowski B, Kovacs MJ. Evaluation of D-dimer in the diagnosis of suspected deep-vein thrombosis. N Engl J Med. 2003 Sep 25;349(13):1227-35. doi: 10.1056/NEJMoa023153.

7 – Wells PS, Anderson DR, Bormanis J, Guy F, Mitchell M, Gray L, Clement C, Robinson KS, Lewandowski B. Value of assessment of pretest probability of deep-vein thrombosis in clinical management. Lancet. 1997 Dec 20-27;350(9094):1795-8. doi: 10.1016/S0140-6736(97)08140-3.


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