Sepse – clínica e manejo

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A sepse pode se manifestar desde sintomas inespecíficos de infecção, como mal estar geral, astenia, delirium no idoso até com sintomas específicos de infecção, como tosse produtiva ou disúria. Portanto, a atenção na abordagem do paciente potencialmente grave na emergência é essencial.

Levantada a suspeita, devemos buscar os sintomas e sinais associados a disfunção orgânica, como hipotensão, oligúria e tempo de enchimento capilar. Podemos usar o quick SOFA para nos auxiliar na suspeição. A partir disso, buscamos disfunções orgânicas e, caso seja encontrado um escore SOFA maior ou igual a 2, o diagnóstico é confirmado. Caso o paciente necessite de vasopressor e possua lactato maior que 2 mmol/L, temos o diagnóstico de choque séptico.

Para mais informações sobre a classificação e definição de Sepse e Choque Séptico, acesse nosso artigo: Como reconhecer um paciente séptico?

Manejo na Sepse 

Chegamos agora a um ponto crítico: o manejo. O primeiro passo, como com qualquer condição na emergência, é um ABCDE bem feito. 

Para mais detalhes sobre o manejo do paciente crítico, acesse nosso texto: Como identificar e fazer a abordagem inicial do paciente grave.

Existem 3 medidas que devem ser feitas nas primeiras três horas de atendimento do paciente séptico: a expansão volêmica e o início da antibioticoterapia na primeira hora e a solicitação de exames laboratoriais, incluindo as culturas.

1. Soroterapia

Na sepse podemos estar diante de um quadro de choque distributivo ou à beira de um, consequentemente, o intravascular do paciente está deprimido. Isso significa que a expansão volêmica é normativa, mesmo que esse paciente tenha sinais de edema periférico.

Pacientes com sepse devem receber expansão volêmica com cristalóides em bolus de 250 a 500 mL até que seja atingida estabilidade e melhora dos parâmetros de perfusão ou seja atingido o limite de 30 mL/Kg –cerca de 2 a 3L em um paciente adulto.

A cada infusão devem ser avaliados critérios de resposta: pressão arterial e perfusão capilar; e critérios de tolerância, como sinais de congestão pulmonar. Após avaliados esses parâmetros, deve-se definir sobre necessidade de  infusão de novo bolus ou início de aminas vasoativas.

A discussão sobre superioridade entre colóides e cristalóides foge ao escopo deste artigo, mas é categórico que não existe superioridade da albumina sobre os cristaloides. Considerando o menor custo desses, os cristaloides se tornaram o fluido de escolha. Soluções balanceadas, como o ringer lactato demonstraram benefício sobre a solução salina 0,9%.

O excesso de volume piora desfechos clínicos, aumentando o tempo de ventilação mecânica, a incidência de úlcera sacral e de infecções nosocomiais, portanto, após administrados os 30 mL/Kg iniciais, novas infusões devem ser guiadas por parâmetros objetivos de hipovolemia, como o teste de elevação das pernas ou exame de ultrassom à beira leito.

Para mais informações sobre exames de imagem à beira leito, acesse nosso texto: Ultrassonografia à beira leito – Porque saber e quando utilizar?

2. Antibioticoterapia

Vale reforçar que o início deve ocorrer na primeira hora. Um antibiótico de amplo espectro, orientado pela suspeita clínica e histórico do paciente é escolha.

A definição de “amplo espectro” é situacional. No caso de sepse de foco pulmonar adquirida na comunidade, a associação de Ceftriaxona com a Azitromicina é considerada amplo espectro por cobrir a maior parte dos patógenos etiologicamente associados. No caso de uma sepse de foco urinário, por outro lado, a Ceftriaxona ou Ciprofloxacino isoladamente são escolhas adequadas para tratamento com amplo espectro. 

Para detalhes sobe infecções do trato urinário, acesse nosso texto: Manifestações gerais das Infecções do Trago Urinário.

O foco nesta etapa do manejo é voltado para o início da antibioticoterapia o mais precoce possível. Caso o paciente tenha um foco mantido, como uma colangite ou um abscesso intra abdominal, a melhora do quadro clínico está atrelada à drenagem do foco.

Figura 1: Gráfico com a correlação entre sobrevivência e tempo para início da terapia antimicrobiana. As barras pretas demonstram a porcentagem de pacientes com sepse que sobreviveram ao tratamento e as barras cinzas mostram o tempo para o início da antibioticoterapia. Fonte: Kumar et al. (2006).

O gráfico acima reforça a importância do início precoce da antibioticoterapia. À medida que o tempo para o início de antibioticoterapia aumenta, a taxa de sobrevivência cai. Após quatro horas, já é atingida mortalidade de 50%, comparada com 20% dentro da primeira hora. Não há tempo a perder na antibioticoterapia. Não basta só prescrever, deve-se entregar e garantir que seja administrado. Só assim pode-se assegurar o início da terapia na primeira hora.

3. Exames complementares

Existem alguns exames recomendados para todos os pacientes com suspeita de sepse. Dentre eles, estão a gasometria arterial, hemograma, proteína C reativa, creatinina, íons, bilirrubinas, lactato, glicemia, RNI, PTTa e hemoculturas. Devem ser solicitadas 2 hemoculturas de sítios distintos. Caso o paciente possua cateteres centrais, também devem ser colhidos refluídos.

Outras culturas, como urocultura, devem ser solicitadas conforme suspeita clínica. Quanto melhor a anamnese e exame físico, maior a probabilidade de acertar na indicação das culturas. Também devemos solicitar exames de imagem conforme suspeita clínica.

4. Vasopressores

Em pacientes refratários à infusão volêmica, devemos iniciar vasopressores. A amina de escolha na sepse é a norepinefrina. Caso sejam necessárias doses elevadas, podem ser associadas à epinefrina ou a vasopressina.

Os agentes inotrópicos devem ser utilizados apenas se houver evidências de disfunção cardíaca associada. Para determinar a presença de disfunção ventricular, podemos usar desde o exame físico e o ultrassom à beira leito até métodos invasivos como a medida de taxa de extração de oxigênio ou o uso do cateter de SwanGanz™.

O corticóide não está indicado para todos os pacientes com sepse. Ele deve ser reservado aos casos de choque refratário. A literatura não é uniforme em definir o que é choque refratário. A necessidade de dose de noradrenalina superior a 0,5 μg /Kg /min parece ser uma definição razoável de refratariedade. Nesses casos, estaria indicada a administração de 200 μg /d de hidrocortisona, podendo ser a dose fracionada em 50 μg de 6 em 6 horas.

5. Cuidados gerais

Além dessas medidas, existem alguns cuidados gerais que os pacientes devem receber, como suporte nutricional, controle glicêmico adequado e profilaxia para trombose venosa profunda e para hemorragia digestiva por úlcera de estresse, conforme indicação.

Conclusão

Para encerrarmos, um panorama da sepse no Brasil. Existe aqui uma diferença muito grande de mortalidade entre hospitais públicos e privados. Mesmo a mortalidade nos hospitais privados é elevada. A média de tempo de início de antibiótico é superior a uma hora nos hospitais privados, enquanto nos hospitais públicos esse tempo supera as 4 horas. Podemos melhorar o desfecho dos pacientes com medidas simples como expansão volêmica precoce e administração precoce de antimicrobianos.

Referências

1- Kumar A., et al. Duration of hypotension before initiation of effective antimicrobial therapy is the critical determinant of survival in human septic shock. Critical Care Medicine, 34(6), 1589–1596, 2006

2- Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD.  Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020

3 – Rhodes A et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock: 2016. Crit Care Med. 2017 Mar;45(3):486-552. doi: 10.1097/CCM.0000000000002255.

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