Ultrassonografia à beira do leito – Porque saber e quando utilizar?

A utilização da Ultrassonografia tem conquistado cada vez mais espaço em cenários como as salas de emergência e as unidades de terapia intensiva. Com o passar do tempo, cada vez mais, o clínico, o emergencista e o intensivista têm utilizado essa ferramenta para auxílio ao diagnóstico em pacientes gravemente enfermos. Leva-se em consideração, ainda, o fato de ser um exame prático, de fácil aplicabilidade e minimamente invasivo. O  advento da Ultrassonografia à Beira do Leito possibilitou diagnosticar condições ameaçadoras da vida, de forma rápida e acurada. Serão listadas abaixo algumas das indicações e as evidências para o uso da ultrassonografia pelo médico que cuida de doentes crítico.

1. Punção de acesso venoso central e cateter intra-arterial

A realização de um acesso venoso central é um procedimento extremamente comum em unidades de emergência. Numerosas complicações associadas ao uso e à inserção de cateteres venosos centrais já foram descritas. Desse modo, a indicação deve ser precisa. Seguir um passo a passo preconizado durante a inserção e manutenção do acesso é ponto fundamental para diminuir a incidência de complicações imediatas e tardias. Devido à redução do custo, os aparelhos de ultrassonografia estão cada vez mais disponíveis na prática clínica.

Figura-1 (1)
Figura 1: À esquerda, paciente posicionado para punção de acesso em veia jugular interna. Identificados marcos anatômicos. À direita, Imagem ultrassonográfica de veia jugular interna (VJI) e artéria carótida (AC).

Revisão sistemática de literatura publicada pela Cochrane demonstrou que a punção de veia jugular interna guiada por ultrassonografia possui menor taxa de complicações (4% versus 13%) e maior taxa de sucesso (97% versus 87%), quando comparada à técnica convencional. A punção de acesso central guiada por ultrassonografia em veia subclávia ou femoral possui evidências de qualidade inferior. Para a punção subclávia, parece haver a redução de punção arterial inadvertida e formação de hematoma. Porém, não se comprovou redução no número total de complicações, pneumotórax, número de tentativas ou aumento na taxa de sucesso. No caso da punção guiada de veia femoral, existe evidência de aumento na taxa total de sucesso e de canulação na primeira tentativa. Entretanto, não foi demonstrada a redução de complicações. A técnica de punção por marcos anatômicos, apesar de ser bem estabelecida e utilizada há muitos anos, possui algumas limitações. 

Muitos pacientes apresentam variações anatômicas que não podem ser previstas. Além disso, uma condição cada vez mais reconhecida na terapia intensiva, e que limita o uso da técnica convencional, é a trombose assintomática como achado ocasional com o uso da ultrassonografia. A punção de uma veia trombosada pode ser inviável e trazer riscos ao paciente. Portanto, a avaliação prévia do sítio de punção pela ultrassonografia é muito útil. Dessa forma, vê-se que o uso da ultrassonografia pode aumentar a taxa de sucesso, reduzir as complicações e múltiplas tentativas, além de evitar punções arteriais inadvertidas.

Além disso, no caso da  cateterização arterial radial, a ultrassonografia comprovadamente aumenta a taxa de sucesso e reduz o número de tentativas necessárias.

2. Insuficiência respiratória aguda

A insuficiência respiratória aguda (IRpA) é uma situação que gera extremo desconforto no paciente, além de ser potencialmente fatal. Requer, portanto, pronto reconhecimento diagnóstico com o objetivo de se tratar, rapidamente, a condição de base.

O exame físico na insuficiência respiratória aguda, bem como a radiografia de tórax, nem sempre possibilita a definição diagnóstica na emergência. Dessa forma, frequentemente, complementa-se a avaliação com a Tomografia Computadorizada (TC) de tórax. Entretanto, para a realização da TC, o paciente deve estar estável o suficiente para ser transportado, o que pode levar a atraso ou, até mesmo, impossibilitar o diagnóstico (seja por indisponibilidade do método ou por falta de condições clínicas para o transporte).

O Protocolo BLUE (Bedside Lung Ultrasound in Emergency), idealizado por Daniel Lichtenstein, é uma ferramenta extremamente útil para o diagnóstico rápido e preciso de condições ameaçadoras a vida. A avaliação por ultrassonografia proposta por esse protocolo demora cerca de 3 minutos e possui acurácia superior a 90%. São avaliadas 6 janelas pulmonares, combinadas à pesquisa de trombose venosa profunda

Os padrões pulmonares são classificados de acordo com a presença de linhas A, linhas B e presença de deslizamento pleural ou consolidação. O reconhecimento desses padrões é simples e demanda pouco treinamento.

Figura-3
Figura 2: Algoritmo resumido do PROTOCOLO BLUE (Bedside Lung Ultrasound in Emergency) de avaliação pulmonar pela ultrassonografia à beira leito na emergência.

3. Avaliação cardíaca básica na emergência

O uso da ultrassonografia à beira do leito para a avaliação da função cardíaca, seja no contexto de choque ou de insuficiência respiratória, é de grande utilidade diagnóstica. São avaliadas principalmente 4 questões:

  • Estimativa da contratilidade do ventrículo esquerdo (VE):
    • A avaliação da contratilidade miocárdica pelo médico emergencista, seja pela estimativa visual ou pela medida da distância do ponto E da valva mitral ao septo, demanda pouco treinamento e possui acurácia superior a 90%.
Figura-4A
Figura 3: Avaliação cardíaca pela ultrassonografia à beira leito. Corte paraesternal eixo curto. Observe grande variação de tamanho intracavitário do ventrículo esquerdo (VE), demonstrando contratilidade normal.
  • Avaliação do ventrículo direito (VD):
    • A relação normal entre as dimensões do ventrículo esquerdo e direito é de 1:0,6. Qualquer condição que acarrete um aumento agudo das pressões em território pulmonar determina uma dilatação rápida do ventrículo direito.
    • Um exemplo seria nos casos de tromboembolismo pulmonar central maciço. Nesses casos, pode ser visto VD com dimensões maiores ou iguais as do VE. Outro achado que pode sugerir sobrecarga do VD é o movimento do septo interventricular em direção ao VE.
  • Pesquisa de tamponamento pericárdico:
    • O tamponamento pericárdico ocorre quando a pressão intrapericárdica torna-se igual ou maior que a pressão diastólica no interior das câmaras direitas, causando a inversão diastólica do átrio e/ou do ventrículo direito. O VE, geralmente, está hiperdinâmico na tentativa de compensar o baixo enchimento.
    • A confirmação ou exclusão de tamponamento pericárdico pode ser feita rapidamente com o uso da ultrassonografia e faz parte da avaliação do paciente com choque de origem clínica ou no cenário de trauma. A ultrassonografia também pode ser utilizada para guiar a realização da pericardiocentese no tratamento do tamponamento.
  • Veia cava:
    • A avaliação da veia cava é útil para a estimativa da volemia do paciente e para o auxílio na diferenciação do tipo de choque que o paciente se encontra.

4. Pesquisa de trombose venosa profunda

A pesquisa de trombose venosa profunda com ultrassom pela técnica de compressão já é recomendada como primeira escolha na emergência. Como a maioria dos êmbolos pulmonares se origina de trombose proximal de membros inferiores, o exame é limitado à técnica de compressão de três pontos nesta região e possui sensibilidade e especificidade superior a 90%. Essa é uma técnica simples e rápida de extrema utilidade na emergência.

5. Ultrassonografia no trauma

No cenário de trauma classicamente é realizado o exame FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma). Mais recentemente foi criado o protocolo FAST estendido (e-FAST). Esse protocolo busca identificar rapidamente a presença de líquido livre na cavidade abdominal, hemotórax, pneumotórax e tamponamento pericárdico. A realização do exame FAST de maneira seriada alcança sensibilidade e especificidade superior a 90%, sendo uma ferramenta extremamente útil no cenário de trauma.

Figura 7
Figura 4: Janela subxifóide demonstrando derrame pericárdico volumoso com sinais de tamponamento.

6. Ultrassonografia no choque

Existem diversos protocolos que utilizam a ultrassonografia para auxiliar no diagnóstico e manejo do choque. Dentre eles o protocolo RUSH (Rapid Ultrasound in Shock). Ele combina diversas das habilidades citadas acima para classificar o choque do paciente em hipovolêmico, distributivo, obstrutivo ou cardiogênico. Combinados os achados cardíacos, pulmonares, cavitários e vascular, ele alcança mais de 90% de acurácia.

7. Ultrassonografia na parada cardiorrespiratória

A ultrassonografia é extremamente útil para auxiliar na identificação de causas reversíveis de parada cardiorrespiratória (PCR) como tamponamento, pneumotórax e embolia pulmonar. Ainda estão em andamento estudos para maior validação dessa utilidade. 

Take Home a Message

Vê-se que a ultrassonografia à beira do leito é uma ferramenta de trabalho muito simples e extremamente útil. Não conhecer e utilizar essa ferramenta cada vez mais disponível, não se justifica mais. Venha se capacitar no curso USEM.

Referências

1- BRASS. P. et al. Ultrasound guidance versus anatomical landmarks for internal jugular vein catheterization. Cochrane Database Syst Rev. 2015 Jan 9; 1: CD006962. doi:10.1002/14651858.CD006962.pub2.

2- BRASS. P. et al. Ultrasound guidance versus anatomical landmarks for subclavian or femoral vein catheterization. Cochrane Database Syst Rev. 2015 Jan 9; 1: CD011447. doi:10.1002/14651858.CD011447.

3- CLERMONT, G. et al. Arterial catheterization techniques for invasive monitoring. UpToDate, 2019.

1 comment
  1. Ufa consegui achar o artigo que estava precisando e
    poucos conseguem ter essa informação correta e
    relevante. Obrigado e vou compartilhar no meu twitter.

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