Toracocentese e drenagem torácica: saiba tudo sobre os procedimentos.

A toracocentese e a drenagem torácica são procedimentos rotineiramente realizados no pronto-socorro, na enfermaria e no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Consistem, basicamente, na retirada do acúmulo de ar ou líquido do espaço pleural por meio da inserção de um tubo, cânula ou agulha no espaço intercostal.

Em um indivíduo saudável, o espaço entre as pleuras parietal e visceral é ocupado por uma pequena quantidade de líquido que funciona como um lubrificante, permitindo o deslizamento de uma pleura sobre a outra, de acordo com a expansão e retração torácica fisiológica do ciclo respiratório.

TORACOCENTESE

A toracocentese geralmente é realizada em três situações:

  • Diagnóstica: coleta de pequena quantidade de líquido pleural para análise.
  • Alívio: retirada de grande volume de líquido pleural para alívio de sintomas relacionados a um derrame pleural volumoso.
  • Descompressiva: em pacientes com pneumotórax hipertensivo para melhora rápida dos sintomas até a realização da drenagem torácica.

Todo médico que atua na emergência deve estar familiarizado com a técnica de realização da toracocentese, pois esse procedimento frequentemente necessita ser realizado em caráter emergencial, podendo ser determinante no prognóstico do paciente, como no caso do pneumotórax hipertensivo.  

1) Indicações

Toracocentese Diagnóstica

A maior parte dos pacientes com um derrame pleural novo deve ser submetida à toracocentese diagnóstica. Diante deste quadro, esse procedimento pode ser dispensável quando o volume de líquido é muito pequeno ou quando se tem um diagnóstico óbvio como causa do mesmo (ex.: insuficiência cardíaca descompensada).

Em pacientes com insuficiência cardíaca, a toracocentese deve ser considerada nos seguintes casos:

  • Derrames bilaterais com volumes muito diferentes;
  • Sintomas pleuríticos;
  • Febre ou outros sinais sugestivos de infecção;
  • Alterações em exame de imagem que sugiram outra etiologia (ex. espessamento pleural, massa pulmonar…).
  • Ausência de melhora do derrame com o tratamento da insuficiência cardíaca
 Toracocentese de Alívio

Está indicada a centese do derrame pleural que esteja contribuindo para a dispneia do paciente. Muitas vezes é realizada em conjunto com a toracocentese diagnóstica na abordagem inicial do paciente. Em pacientes com evidências de encarceramento pulmonar esse procedimento, geralmente, não está indicado, pois não será suficiente para gerar a expansão do parênquima pulmonar. Caso o líquido volte a acumular rapidamente, pode estar indicada a drenagem torácica.

Toracocentese Descompressiva

A toracocentese descompressiva deve ser realizada em pacientes com alta suspeita clínica ou com pneumotórax hipertensivo confirmado. Deve-se suspeitar de pneumotórax hipertensivo em pacientes com piora respiratória, sons respiratórios abolidos em hemitórax com percussão timpânica, desvio de traqueia contralateral, instabilidade hemodinâmica e turgência jugular.

2) Contraindicações

Não existem contraindicações absolutas à realização de toracocentese. A cada caso devem ser considerados os riscos e benefícios do procedimento e a urgência de sua realização. Pacientes com coagulograma alterado, plaquetopenia inferior a 50.000/ mm³ ou com disfunção renal grave estão sob maior risco de sangramento. Deve ser evitada a toracocentese em sítios com sinais de infecção de pele ou subcutâneo.

3) Técnica da Toracocentese

3.1) Referências anatômicas e posicionamento do paciente
Toracocentese Diagnóstica e de Alívio

Sempre que possível, deve-se utilizar a ultrassonografia para guiar o melhor sítio de punção. Caso a ultrassonografia não esteja disponível, as referências para realização da toracocentese são:

  • Posicionar o paciente sentado (sempre que possível);
  • Localizar, pela ausculta e percussão, o nível de líquido pleural. Determinar a altura da punção em um a dois espaços intercostais abaixo desse nível;
  • Evitar punções abaixo do 9º EIC (risco de punção abaixo do diafragma).
  • Identificar possíveis locais para punção: linha axilar posterior, linha axilar média (preferido em pacientes em ventilação mecânica) ou na metade do espaço entre a coluna e a linha axilar posterior;
  • Introduzir a agulha na borda superior do arco costal inferior, pois, na maior parte das vezes, o feixe vásculo-nervoso está localizado na borda inferior do arco costal.
drenagem torácica
Figura 1: Representação anatômica dos espaços intercostais e feixe vasculonervoso.
Toracocentese Descompressiva

Classicamente, realiza-se a toracocentese descompressiva no segundo ou terceiro espaço intercostal, na linha hemiclavicular. Na última década, alguns trabalhos nos mostraram que há uma alta taxa de falha na tentativa de realizar toracocentese descompressiva quando realizada no 2° / 3° EIC na linha hemiclavicular. O que vem sendo discutido é que, nesta localização, a profundidade entre a parede torácica e o pulmão é, geralmente, maior que o comprimento da agulha (basicamente Jelco 14 ou 16) a ser inserida. Neste contexto, atualmente existe a recomendação de que a toracocentese descompressiva seja realizada ente o 4º e 5º EIC, nas linhas axilar anterior ou axilar média.

3.2) Passo a passo para Toracocentese Diagnóstica e de Alívio

1. Posicionar o paciente sentado.

2. Localizar o sítio de punção, conforme já descrito.

3. Realizar degermação da pele com clorexidina ou solução iodada.

4. Esperar a solução secar antes da realização do procedimento. 5. Posicionar os campos estéreis em torno do sítio de punção.

6. Realizar anestesia local em todos os planos (pele, tecido subcutâneo, periósteo e pleura parietal).

7. Introduzir a agulha de anestesia na borda superior do arco costal inferior, gradualmente, a cada pequeno avanço, aspirar e injetar o anestésico até que seja atingido o espaço pleural.

8. Introduzir o jelco 14 ou 16 até que seja atingido o espaço pleural, usando o mesmo pertuito da anestesia. Quando ocorrer a saída de líquido, retire o mandril do jelco e conecte a seringa de 20 mL.

9. Realize a aspiração do líquido para análise. O volume e número de frascos dependem das hipóteses diagnósticas. Geralmente, cerca de 50 mL de líquido pleural é suficiente para análise.

10. Caso seja necessária a análise do pH do líquido pleural, coletar o líquido diretamente em uma seringa para coleta de gasometria arterial.

11. Caso seja optado por realizar toracocentese de alívio, conectar o equipo ao jelco e permitir a saída do líquido pleural até o volume desejado. Geralmente se interrompe a toracocentese ao ser atingido um volume entre 1-1,5 litros. Deve-se interromper a coleta caso o paciente apresente piora respiratória, tosse persistente ou hipotensão.

12. Remover o jelco e realizar curativo oclusivo. 

3.3) Passo a passo para Toracocentese Descompressiva

1. Degermação do sítio de punção.

2. Anestesia com lidocaína (opcional, dependendo da urgência do procedimento).

3. Punção com jelco 14-16 gauge no segundo ou terceiro EIC na linha hemiclavicular.

4. Em seguida, deve ser realizada drenagem torácica, pois esse procedimento serve apenas para o alívio temporário da pressão intratorácica.

4) Complicações

As principais complicações relacionadas a toracocentese são:

1. Pneumotórax: O pneumotórax é a complicação mais comum da toracocentese. Quando não se utiliza a ultrassonografia, essa complicação ocorre em cerca de 12% dos procedimentos. O uso da ultrassonografia parece reduzir a incidência dessa complicação. O pneumotórax associado à toracocentese geralmente é pequeno e de resolução espontânea, mas cerca de um terço dos casos demanda drenagem torácica. A drenagem torácica  deve ser considerada se o pneumotórax for de grande volume, progressivo, associado a sintomas respiratórios ou se o paciente estiver em ventilação mecânica.

2. Dor: Geralmente é leve e responde à analgesia local ou sistêmica.

3. Reflexo vaso-vagal: Manifestado por sudorese, pré-síncope, sensação de mal-estar, náuseas ou vômitos. Os sintomas se resolvem com a interrupção do procedimento.

4. Sangramentos: Podem ocorrer sangramentos graves decorrentes de laceração vascular durante a toracocentese. Essa complicação, na maior parte das vezes, pode ser evitada realizando a punção na borda superior do arco costal inferior. O uso da ultrassonografia com doppler pode auxiliar a identificação do feixe vásculo-nervoso.

5. Edema pulmonar de reexpansão: Edema pulmonar não cardiogênico, que ocorre após a toracocentese de alívio com retirada de grande volume. Ocorre em menos de 1% dos procedimentos e, geralmente, está associado à retirada de mais de 1.500 mL de líquido pleural.

6. Complicações infecciosas: São raras e provavelmente podem ser prevenidas com uma técnica de degermação adequada, uso de materiais estéreis e uso de máscara facial pelo médico que realizará o procedimento.

7. Punção hepática ou esplênica: A punção hepática ou esplênica inadvertida, geralmente, está relacionada ao posicionamento inadequado do paciente (posicionar o paciente sentado reduz o risco) e à realização da punção abaixo do 9º EIC. O prognóstico, na maior parte dos casos, é favorável, caso tenha sido usado um jelco 14-16 gauge e o paciente não esteja com plaquetopenia ou coagulograma alterado.

DRENAGEM TORÁCICA

É a técnica cirúrgica que permite, pela inserção de dreno acoplado a um sistema específico, acesso à cavidade pleural ou mediastinal. A drenagem torácica está indicada em situações de urgência/ emergência, tais como:

  • Hemotórax;
  •  Pneumotórax;
  • Empiema;
  • Quilotórax;
  • Derrame pleural recorrente.

1) Técnica da Drenagem Torácica

1.1) Referências anatômicas e posicionamento do paciente
  • Posicionar o paciente deitado com o membro superior ipsilateral em abdução e com  mão apoiada sobre a cabeça
  •  Localizar o 4º ou 5º EIC.
  • Identificar possíveis locais para punção: linha axilar posterior, média ou anterior
  • Localizar a borda superior do arco costal inferior.
drenagem torácica
Figura 2: Possíveis locais para punção torácica.
 1.2) Passo a passo para a drenagem torácica

1. Posicione o paciente em decúbito dorsal com o membro superior ipsilateral em abdução e com a mão apoiada sobre a cabeça.

2. Localize o 4º ou 5º EIC, na linha axilar posterior, média ou anterior, na borda superior do arco costal.

3. Realize a medida do comprimento do dreno que será inserido. A medida é realizada do meio da clavícula até o local escolhido para a inserção.

4. Realize anestesia local com lidocaína 1 ou 2%.

5. Faça uma incisão de 1-2 cm paralela ao arco costal e realize a dissecção dos planos, do tecido subcutâneo e da musculatura acima do arco costal, utilizando uma pinça hemostática curva.

6. Posteriormente, utilizando uma pinça com ponta romba do tipo “Kelly curva”, faça uma abertura com cerca de 1,5 cm na pleura e introduza o dedo na cavidade pleural. A introdução do dedo permite o inventário da cavidade torácica, além de confirmar se a cavidade pleural realmente foi atingida. Não usar bisturi ou algo afiado para acessar a cavidade pleural, pois lesões graves com exsanguinação fatal já foram descritas.

7. Faça a clampagem da extremidade do dreno com a pinça hemostática curva e utilize-a para direcionar a inserção do dreno. Introduza o dreno em direção cranial e posterior. Avance o dreno até o local marcado anteriormente. Vale ressaltar que o último orifício do dreno deve estar, pelo menos, 2 cm dentro da caixa torácica.

8. Faça um ponto em “U” circundando o dreno para fechar a incisão e, em seguida, faça um nó em “bailarina” em torno do dreno, usando o mesmo fio.

drenagem torácica
Figura 3: Representação em manequim da drenagem torácica e do nó em “bailarina” ao redor do dreno.

9. Realize radiografia de tórax, para confirmação do posicionamento do dreno. 

2) Complicações

As principais complicações da drenagem torácica são:

  •  Dor;
  • Sangramento;
  • Pneumotórax;
  • Laceração pulmonar ou de órgãos abdominais;
  • Infecção de partes moles ou empiema;
  • Lesão vascular ou nervosa;
  • Obstrução do sistema de drenagem;
  • Mal posicionamento do dreno.

 A maior parte das complicações pode ser evitada com a realização de técnica adequada.

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Referências
  1. SHELLY, P. D. et al. Chest-Tube insertion. N Engl J Med 2007; 357:e15

2. HUGGINS, J. T. et al. Placement and management of thoracostomy tubes. UpToDate, 2019.

3. HUGGINS, J. T. Large volume thoracentesis. UpToDate, 2019.

4. Bragança, RD. PROCEM – Procedimentos médicos na emergência. 3a edição. Belo Horizonte. CUREM, 2019.

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