Como tratar a anafilaxia na emergência?

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Os pilares do tratamento da anafilaxia são três e devem ser rápidos e simultâneos: a epinefrina, imediata, que atuará no A, B e C; a avaliação da via aérea, abordando especificamente o A e o B e a expansão volêmica, abordando o C. É importante também remover o gatilho, por exemplo: parar uma infusão venosa suspeita, ou, ainda, retirar a roupa do paciente para melhor investigação. 

Ao mesmo tempo se estabelece o consagrado MOVmonitorização com cardioscópio, manguito para aferição da Pressão Arterial Não Invasiva (PNI), saturimetria, oxigenoterapia e acesso venoso – preferencialmente dois acessos calibrosos.

  1. Epinefrina 

A administração de epinefrina é a prioridade e a conduta mais importante! Não existe contraindicação absoluta! Atrasos na administração da epinefrina estão relacionados a reações mais severas e aumento da mortalidade.

A epinefrina é um potente agonista alfa e beta adrenérgico. Ao promover efeito alfa agonista, ela aumenta a vasoconstrição periférica, o que ajuda a aumentar a pré-carga, além de atuar reduzindo o edema das mucosas, principalmente, o edema da laringe.

Já o efeito beta agonista causa cronotropismo e inotropismo positivo, o que auxilia na manutenção do débito cardíaco. Além disso, há o efeito de broncodilatação, reduzindo a obstrução das vias aéreas inferiores e a liberação de mediadores inflamatórios pelos mastócitos e basófilos, por mecanismos ainda mal elucidados.

Note que nós vamos agir na perviedade da via aérea, na manutenção das trocas gasosas e na instabilidade circulatória com apenas uma droga!

Para saber mais sobre a fisiopatologia da anafilaxia mediada por IgE, clique aqui. Já sobre a reação anafilática não mediada por IgE, acesse aqui.

Na prática, utiliza-se uma ampola de epinefrina, a mesma usada na Parada CardioRespiratória (PCR). Ela tem 1 mL, o que corresponde a 1 mg da droga. 

A dose para adultos com mais de 50 Kg é a dose máxima: 0,5 mg. Se o paciente pesar menos de 50 Kg, a dose será de 0,01 mg/Kg

Para a maioria dos casos, aspira-se 0,5 mL, o que equivale a meia seringa de insulina. A aplicação é intramuscular, por ser a via que fornece os melhores níveis séricos com a maior segurança. O objetivo é aplicar no músculo vasto lateral, que está localizado no meio e na lateral da coxa. É preciso trocar a agulha para uma maior, de 22 gauge, do contrário o músculo não será alcançado.

É preconizado administrar a dose a cada 5 a 15 minutos, até 3 vezes. O habitual é que o paciente responda muito bem com 1 ou 2 doses. Atenção: não se esqueça que a abordagem é simultânea! Enquanto a epinefrina está sendo administrada, a via aérea e as trocas gasosas estarão em avaliação, ou seja, o A e o B.

Está indicada a intubação imediata se o paciente apresenta estridor ou PCR. Estridor é um ruído inspiratório proveniente do ar passando por uma glote edemaciada e estreitada, sendo um sinal de fechamento iminente de via aérea alta. Nesse cenário, o melhor é garantir a via aérea do paciente e, depois, com o efeito da epinefrina, fazer uma extubação precoce, do que correr o risco de não conseguir entubar mais.

Esteja sempre preparado para uma via aérea difícil (VAD): tenha todos os dispositivos auxiliares ao alcance e esteja preparado para a possibilidade de se estabelecer uma via aérea cirúrgica com a cricotireoidostomia. 

Assim que o paciente der entrada na emergência, solicite que todo o material de intubação esteja preparado, que todas as medicações estejam aspiradas e que o material de cricotomia esteja disponível, ainda que seja desperdiçado após a primeira dose de epinefrina.

Não havendo indicação de intubação imediata, mantenha esse paciente com oxigenoterapia, por máscara não reinalante, com alto fluxo.

  1. Hidratação venosa 

Paralelamente, deve-se iniciar a expansão volêmica de forma cuidadosa com frequentes reavaliações, o mais rápido possível. O choque distributivo pode estar iminente, devido a liberação de mediadores inflamatórios e vasodilatação, ou o choque hipovolêmico, devido ao grande aumento da permeabilidade vascular, com perda de até 35% da volemia para o terceiro espaço em questão de minutos. 

Meu paciente em anafilaxia chocou, e agora? Veja este artigo em choque anafilático.

Prognóstico e tempo de observação

Pacientes que não têm resposta imediata à epinefrina, ou seja, que necessitam de mais de uma dose, devem ser observados na enfermaria, bem como aqueles que apresentarem fatores de risco para anafilaxia severa, como já citamos. Aqueles em choque anafilático, devem ser admitidos e manejados em terapia intensiva.

Caso o paciente tenha tido boa resposta à epinefrina, com resolução completa dos sintomas, ele pode ser mantido em observação por cerca de 4 a 6 horas, contadas a partir da última dose de epinefrina. Protocolos mais agressivos, com alta hospitalar mais precoce para esses pacientes, também são possíveis.

Seguimento

O paciente anafilático nunca mais deve ser visto da mesma maneira. Anafilaxia é uma doença grave e que recorre! Cuidados e orientações são indispensáveis: paciente e familiares devem ser educados a respeito da condição; o gatilho deve ser identificado e evitado.

É extremamente importante que tanto os familiares quanto o paciente sejam capazes de reconhecer o início de uma reação anafilática, podendo até mesmo serem orientados a utilizar epinefrina auto-injetável. A prescrição desta para casa pode e deve ser feita, uma vez que a recorrência pode chegar a 18%. Além disso, o paciente precisa ter informações impressas sobre anafilaxia e sobre seu tratamento.

Figura 2. Representação da auto-injeção de epinefrina para ser feita em domicílio pelo paciente ou familiares.

Outro ponto é o encaminhamento para um especialista, que é fundamental por motivos como: confirmação do diagnóstico, identificação do desencadeante da crise -caso este não tenha sido identificado-, e para o tratamento de cofatores que podem ter contribuído para o quadro. 

Por fim, é interessante observar que até 1/3 dos pacientes encaminhados ao alergologista recebem um diagnóstico alternativo como, por exemplo, desordens mastocitárias, urticária ou angioedema, o que enaltece a importância do encaminhamento. 

Referências
  1. Campbell RL, Kelso JM. Anaphylaxis: Emergency treatment. UpToDate, Apr 2021.
  1. Coelho  BFL, Murad, LS, Bragança RD. Manual de Urgências e Emergências. Ed. Curem, 2020.
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