Neste texto vamos abordar as principais dúvidas sobre parada cardiorrespiratória. Desde perguntas simples até as mais complexas que remetem a situações do cotidiano do atendimento do profissional de saúde. Pronto para saber tudo? Confira abaixo
1) Quais são as principais causas de parada cardiorrespiratória?
As causas de parada cardiorrespiratória variam de acordo com a idade do paciente. Em crianças, a hipóxia e o choque são as causas principais. Dessa forma, deve-se estar atento aos eventos que podem levar à hipoxemia ou choque, como sufocação, afogamento, anafilaxia, intoxicações, trauma, sepse e síndrome da morte súbita do recém nascido.
Já nos adultos, a principal causa de parada cardiorrespiratória é a Síndrome Coronariana Aguda (SCA). Vale ressaltar que a primeira manifestação da SCA pode ser a morte súbita. Dessa forma, a prevenção de eventos cardiovasculares deve ocorrer durante toda à vida do paciente, com estilo de vida saudável e tratamento de condições predisponentes como hipertensão arterial e diabetes.
Para mais informações sobre síndrome coronariana aguda, acesse nosso texto: Aprenda a identificar a síndrome coronariana aguda.
2) Encontrei uma pessoa desacordada e estou em dúvida se ele está em parada cardiorrespiratória. O que devo fazer?
Ao encontrar um indivíduo desacordado, deve-se tentar chamá-lo em voz alta e tocar em em seus ombros. Em caso de ausência de resposta, deve-se solicitar ajuda, acionar o serviço médico de emergência e verificar o pulso e respiração do paciente de maneira simultânea. Deve ser verificado o pulso carotídeo em adultos e crianças maiores. Já em bebês (menores de um ano de idade) a preferência é pelo pulso braquial. Deve-se tentar sentir o pulso por 5 a 10 segundos. Na ausência de pulso ou nos casos de dúvida, devem ser iniciadas as manobras de ressuscitação cardiopulmonar pelas compressões torácicas.
3) Não me sinto confortável para fazer respiração boca a boca. Posso fazer apenas as compressões torácicas?
Sim. Considerando que grande parte das paradas cardiorrespiratórias acontece fora do hospital, que muitas pessoas têm receio de iniciar as ventilações e que as compressões torácicas são o ponto mais importante da ressuscitação cardiopulmonar, a American Heart Association criou a campanha “Hands-Only CPR” (RCP somente com as mãos) em 2012. A ressuscitação cardiopulmonar apenas com compressões parece ser tão eficaz quanto a realização de compressões e ventilações em pacientes adultos com parada cardiorrespiratória súbita com duração de poucos minutos. Essa campanha visa evitar que pessoas leigas deixem de iniciar o atendimento a parada cardiorrespiratória por receio de iniciar as ventilações.
4) Qual a relação correta de compressões e ventilações na parada cardiorrespiratória?
Essa relação varia de acordo com a idade do paciente.
- Adultos e adolescentes: 30 compressões para 2 ventilações, independente do número de socorristas.
- Bebês e crianças até a puberdade: Caso esteja sozinho, realizar 30 compressões para duas ventilações. Na presença de 2 socorristas, 15 compressões para duas ventilações.
5) As máquinas que fazem compressão torácica são superiores à compressão manual?
Nos últimos anos surgiram diversos dispositivos automáticos para a realização de compressões torácicas. Vários vídeos circulam na internet demonstrando esses dispositivos em funcionamento e passam a impressão de que são o futuro do atendimento à parada cardiorrespiratória.
Apesar dessa expectativa, não existe comprovação de que esses dispositivos sejam superiores a compressão manual e, inclusive, pode ser que estejam relacionados a alguns riscos, conforme demonstrado em revisão publicada na Cochrane em 2018 .
Dessa forma, o uso desses dispositivos deve ser reservados a situações de falta de profissionais ou de risco para os mesmos.
6) Todo paciente deve ser intubado durante o atendimento a parada cardiorrespiratória?
A American Heart Association (AHA) não recomenda a intubação rotineira durante a parada cardiorrespiratória. Deve-se ventilar o paciente com um um dispositivo de bolsa-válvula -máscara ou uma via aérea supraglótica (máscara laríngea, tubo laríngeo ou combitubo). A intubação orotraqueal deve ser reservada para os cuidados pós-parada ou para os casos em que não se consiga ventilar o paciente de maneira eficaz com os dispositivos citados acima.
Estudo publicado no JAMA em 2017 demonstrou que pacientes intubados durante a parada cardiorrespiratória apresentam menor probabilidade de retorno espontâneo circulação, menor taxa de bom desfecho neurológico e menor taxa de sobrevivência.
7) Qual o momento correto de administração da epinefrina na parada cardiorrespiratória?
Essa resposta depende do ritmo de parada apresentado pelo paciente. Nos casos de ritmos não-chocáveis (AESP ou Assistolia) a administração da Epinefrina deve ser o mais precoce possível, pois cada minuto de atraso na sua administração em pacientes vítimas de PCR em ritmo não chocável está associado à redução de 4% na taxa de retorno à circulação espontânea. Essa informação foi reforçada pela AHA na atualização das diretrizes em 2020.
Já nos casos de ritmos chocáveis (Fibrilação Ventricular ou Taquicardia Ventricular Sem Pulso) a Epinefrina deve ser administrada apenas após o segundo choque, pois a administração precoce está associada à menor taxa de retorno à circulação espontânea, de sobrevivência e de bom prognóstico neurológico.
8) A amiodarona é superior à lidocaína no tratamento dos ritmos chocáveis?
O algoritmo de atendimento da parada cardiorrespiratória em ritmos chocáveis (Fibrilação Ventricular ou Taquicardia Ventricular Sem Pulso) recomenda a administração de drogas antiarrítmicas após a administração do terceiro choque. Anteriormente era recomendado que a Amiodarona fosse a droga inicial e que a Lidocaína fosse reservada para os casos refratários a Amiodarona.
Porém, novos estudos demonstraram que a Lidocaína possui benefícios semelhantes aos da Amiodarona na parada cardiorrespiratória em ritmo chocável. Dessa forma, a American Heart Association atualizou suas recomendações em 2020 e a passou a recomendar o uso de qualquer uma das duas drogas como primeira opção de medicação antiarrítmica.
9) Como organizar os cuidados pós-parada?
Geralmente o paciente retorna de uma parada cardiorrespiratória em estado crítico e com alto risco de apresentar nova parada. Dessa forma, a sistematização do atendimento nesse momento é essencial para minimizar esse risco. Pode-se utilizar a técnica ABCDE (Airway, Breathing, Circulation, Disability, Exposure):
Avaliação sistematizada do paciente grave – ABCDE
ABCDE | Avaliação | Possíveis intervenções |
Airway | Sinais de obstrução de via aérea (estridor, fala, retração de fúrcula) e a saturação do paciente. | Manobras de abertura de vias aéreas, fornecimento de O2 suplementar, intubação orotraqueal… |
Breathing | Frequência respiratória, ausculta respiratória, esforço (retração subcostal, uso de musculatura acessória…), percussão pulmonar. | Fornecimento de O2 suplementar, ventilação não-invasiva, intubação orotraqueal, toracocentese em caso de pneumotórax… |
Circulation | Frequência cardíaca, pressão arterial, perfusão capilar, ausculta cardíaca e monitorização eletrocardiográfica. | Expansão volêmica, uso de aminas vasoativas, cardioversão elétrica… |
Disability | Avaliação do nível de consciência (Escala de Glasgow, responsividade a estímulos…), fotorreatividade pupilar e glicemia capilar em caso de rebaixamento do sensório. | Administração de glicose hipertônica, intubação orotraqueal em caso de ausência de proteção de vias aéreas, administração de antídotos em casos de suspeita de intoxicação. |
Exposure | Exposição da pele para identificar sinais que auxiliem no diagnóstico (urticária, equimoses, temperatura axilar…). | Intervenções conforme suspeita diagnóstica sugerida pelas lesões cutâneas. |
A avaliação clínica, intervenção e reavaliação devem ser feitas e repetidas de forma contínua até a estabilização do paciente.
Para mais informações sobre o atendimento sistematizada a um paciente potencialmente grave, acesse nosso texto: Como identificar e fazer a abordagem inicial do paciente grave.
10) Considerando que a Síndrome Coronariana Aguda é a principal causa de parada cardiorrespiratória em ritmo chocável em adultos, existe benefício de realização de cateterismo cardíaco imediatamente após o retorno à circulação espontânea?
Não existe dúvida de que os pacientes que apresentam supradesnivelamento do segmento ST após o retorno à circulação espontânea devem ser submetidos ao cateterismo cardíaco para realização de angioplastia primária.
Para os casos em que o paciente não apresente supradesnivelamento do segmento ST, a melhor evidência disponível foi publicada no New England Journal of Medicine em 2019. O estudo incluiu 552 pacientes e comparou a realização de cateterismo cardíaco imediatamente após o retorno à circulação espontânea com a realização após a recuperação neurológica. O tempo para a realização do cateterismo foi de cerca de 2 horas no grupo precoce e 121 horas no tardio. Não houve diferença de mortalidade ou dos desfechos secundários analisados entre os grupos.
Dessa forma, pacientes que não apresentam supradesnivelamento de ST após o retorno à circulação espontânea podem aguardar a recuperação neurológica para a realização do cateterismo cardíaco. O curso ACLS aborda na prática essas e outras questões relacionadas ao atendimento da parada cardiorrespiratória.
Referências
1 – Wang PL. Mechanical versus manual chest compressions for cardiac arrest.Cochrane Database Syst Rev. 2018 Aug 20;8:CD007260.
2 – Andersen LW et al. Early administration of epinephrine (adrenaline) in patients with cardiac arrest with initial shockable rhythm in hospital: propensity score matched analysis. BMJ 2016;353:i1577.
3 – Hansen M et al. Time to Epinephrine Administration and Survival From Nonshockable Out-of-Hospital Cardiac Arrest Among Children and Adults. Circulation. 2018 May 8;137(19):2032-2040.
4 – Lars W. Andersen et al. Association Between Tracheal Intubation During Adult In-Hospital Cardiac Arrest and Survival. JAMA. 2017;317(5):494-506.
5 – Ashish R. Panchal et al. 2018 American Heart Association Focused Update on Advanced Cardiovascular Life Support Use of Antiarrhythmic Drugs During and Immediately After Cardiac Arrest: An Update to the American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2018;138:e740–e749
6 – Clifton W. Callaway et al. Part 8: Post–Cardiac Arrest Care. 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2015;132:S465–S482
7 – Jorrit S. Lemkes et al. Coronary Angiography after Cardiac Arrest without ST-Segment Elevation. N Engl J Med 2019; 380:1397-1407
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