Tratamento do infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e da angina instável

Tempo de leitura: 6 minutos e 40 segundos.


Neste texto será abordado o manejo do paciente com Síndrome Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (Infarto Agudo do Miocárdio sem supra de ST e Angina Instável). No início do ano de 2021, a Sociedade Brasileira de Cardiologia atualizou suas diretrizes em acordo com o Guideline 2020 da European Society of Cardiology.

Para mais informações sobre o diagnóstico de Síndrome Coronariana Aguda, acesse nosso texto: Aprenda a caracterizar a síndrome coronariana aguda.

São objetivos do tratamento inicial do paciente com Síndrome Coronariana Aguda (SCA):

  • Alívio da dor isquêmica e início de betabloqueadores (se não houver contraindicações);
  • Estabilização hemodinâmica;
  • Estratificação de risco;
  • Escolha da estratégia de tratamento (ex. angiografia precoce versus estratégia conservadora);
  • Início de terapia antitrombótica (antiplaquetários e anticoagulantes);
  • Início de terapias para uso a longo prazo (estatinas, inibidores da enzima conversora de angiotensina, antagonista de mineralocorticoides). 

É importante ter em mente que já existem terapias bem estabelecidas que reduzem drasticamente a mortalidade na SCA. Dentre elas temos os “Ases” da SCA, que devem ser iniciadas o mais precocemente possível:

  • ácido acetilsalicílico (AAS)—parte da dupla antiagregação plaquetária junto aos antagonistas do ADP;
  • anticoagulação;
  • angiografia coronariana.

Antiagregação plaquetária

Primeiramente, sem ainda ter o eletrocardiograma em mãos e apenas com a caracterização da dor torácica tipicamente anginosa,  solicita-se ao paciente que mastigue três comprimidos de 100 mg do ácido acetilsalicílico, isto é, uma dose inicial de 300mg – com indicação de dose de manutenção de 100 mg por dia, visando profilaxia secundária a um novo evento isquêmico.

Uma mudança importante das recomendações no manejo do doente com SCASSST se refere ao pré-tratamento com o segundo antiagregante plaquetário, o inibidor de ADP (bloqueadores de P2Y12), entendendo-se por “pré-tratamento” o tratamento estabelecido antes do conhecimento da anatomia coronariana, ou seja, antes da angioplastia. As novas diretrizes não recomendam mais o pré-tratamento rotineiro da dupla antiagregação em pacientes classificados como de muito alto risco, com necessidade de estratégia invasiva precoce (em menos de 24 horas).  Isto se deve a ausência de constatação de claro benefício da terapia rotineira versus o  aumento do risco de sangramento e, consequentemente, um reconhecido e relevante aumento da morbimortalidade na SCA. Desse modo, a escolha para realizar o pré-tratamento com dupla antiagregação deve ser individualizada e deve levar em consideração a estratificação de risco cardiovascular e de sangramento.

Figura 1. Terapia antitrombótica inicial nas síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do segmento ST. CAT: cateterismo; HNF: heparina não fracionada; SH: sala de hemodinâmica. Fonte: Nicolau et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021.

A primeira escolha da classe é o Ticagrelor, iniciado na dose de 180 mg (dois comprimidos de 90 mg), com dose de manutenção de 90 mg a cada 12 horas. Porém, no Brasil sua disponibilidade é restrita, por isso, os serviços optam pelo uso do Clopidogrel, na dose inicial habitual de 300 mg (quatro comprimidos de 75 mg cada), e manutenção de 75 mg por dia. Em pacientes encaminhados para a Coronariografia (CAT), o uso de Prasugrel em detrimento ao Ticagrelor é preferível, mas no pré-tratamento sua contraindicação se mantém. Além disso, não deve ser utilizado em pacientes com histórico de Acidente Vascular Encefálico. A tabela abaixo traz algumas informações complementares sobre os inibidores de P2Y12.

Anticoagulação

Outra etapa que deve ser feita o quanto antes é a terapia com anticoagulantes, que também reduz a mortalidade relacionada à SCA. As novas diretrizes pontuam que a escolha e o momento da anticoagulação devem ser determinados pelo tipo de estratégia de tratamento definitivo (abordagem invasiva ou conservadora), a gravidade da apresentação clínica da SCA e as particularidades de cada serviço.

Nos pacientes com proposta de tratamento inicial conservador, a recomendação preferencial é para a Enoxaparina ou Fondaparinux. Pacientes com Clearance de Creatinina (ClCr) < 15 mL/min e obesos com peso maior que 150 kg, não devem receber Enoxaparina, sendo preferível o uso de Heparina Não Fracionada (HNF). Nos pacientes com ClCr entre 15 e 30mL/min e nos obesos (IMC > 30 kg/m² ou peso entre 100 e 150 kg) a Enoxaparina pode ser utilizada, mas recomenda-se o monitoramento do fator anti-Xa.

Nos pacientes com programação de estratégia invasiva para o tratamento, têm a possibilidade de utilizar tanto a Enoxaparina, Fondaparinux quanto a HNF; ambas terapias apresentam semelhante eficácia. O que não é recomendado pelas diretrizes é a transição de Enoxaparina para HNF (cross over) que ocorre quando se faz enoxaparina em pacientes que irão precocemente para a hemodinâmica, devido ao maior risco hemorrágico que esta prática apresenta. Além disso, o Fondaparinux não deve ser utilizado como terapia isolada na Intervenção Coronária Percutânea. Observe a tabela abaixo com as respectivas dosagens dos agentes citados.

Angiografia coronariana

Na SCA sem SST, o risco de morte e eventos adversos do paciente devem ser estabelecidos precocemente. Isso guiará a estratégia de estratificação de risco: se invasiva ou não, e, no caso da estratégia invasiva, o tempo máximo para a realização da angiografia coronariana – também chamada de Intervenção Coronariana Percutânea (ICP).

Essa classificação é feita por meio do escore de GRACE em associação à classificação da Sociedade Europeia de Cardiologia: o paciente de muito alto risco recebe estratégia invasiva imediata—isto é, coronariografia em até 2 horas desde a admissão na emergência. Se a coronariografia estiver indisponível, a transferência imediata para um centro de referência é prioridade. 

Nos pacientes de alto risco a estratégia invasiva deve ser precoce: coronariografia em até 24 horas. Se indisponível, a transferência para um centro hemodinâmico deve ser feita no mesmo dia. Nos pacientes de intermediário risco a estratégia invasiva pode ser retardada em até 72 horas. Em caso de indisponibilidade, a transferência deve ser feita em tempo hábil.

Outras terapias

Além de todas as medicações já citadas e discutidas, temos aquelas terapias que devem ser estabelecidas em até 24 horas:

  • betabloqueador;
  • inibidores da ECA (enzima conversora da angiotensina, IECA) OU bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA);
  • estatina de alta potência;
  • espironolactona.

Cabe ressaltar também, as medicações que não reduzem a mortalidade, embora muitas vezes sejam prescritas excessivamente: morfina e nitrato. Vale ressaltar que há contraindicações formais de nitrato sob uso recente de inibidores da fosfodiesterase tipo 5, e de ambos os medicamentos se o paciente estiver com pressão sistólica abaixo de 100 mmHg ou sinais de falência do ventrículo direito. Lembrando que nada disso deve vir antes do atendimento inicial: monitorização, dois acessos venosos calibrosos e a oxigenioterapia, em saturação menor que 90%.

Referências

1 – Nicolau et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

2 – Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD.  Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020.

3 – Collet JP, et. al. 2020 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation: The Task Force for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC). European Heart Journal, Vol. 42, I. 14, P. 1289–1367, 2020.

4 – Falcão  FJA., et. al. Receptores plaquetários P2Y12: importância na intervenção coronariana percutânea. Arq Bras Cardiol. 2013;101(3):277-282

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