Classificação de gravidade da pancreatite aguda na emergência

A pancreatite aguda é um quadro clínico, assim como tantos outros, com diferentes espectros de gravidade, que se relacionam diretamente ao prognóstico e ao tratamento do paciente. Tradicionalmente, essa classificação leva em consideração o grau de disfunção orgânica (extensão do processo inflamatório) apresentado pelo paciente.

É importante citar que em 1992 um conjunto de pesquisadores formularam os Critérios de ATLANTA, a fim de definir um consenso global e um sistema de classificação para a pancreatite aguda. Em 2012, esse critério foi revisado com o objetivo de reafirmar alguns conceitos e elucidar outros, considerados confusos.

Definição dos tipos de pancreatite aguda

Segundo a Revisão dos Critérios de Atlanta (2012) [4], a pancreatite aguda (PA) pode ser subdividida, de acordo com os achados da tomografia computadorizada (TC) com contraste, em dois tipos

  1. Pancreatite aguda edematosa intestinal: a TC evidencia um aumento difuso (mais comum) ou localizado do pâncreas devido a edema inflamatório; parênquima com realce normal e homogêneo; sintomas clínicos remitem na primeira semana. 
  1. Pancreatite aguda necrotizante: a TC evidencia necrose envolvendo o parênquima e/ou tecidos peripancreáticos, podendo ser uma necrose estéril ou infectada (complicação mais temida).  

Definição da gravidade da pancreatite aguda

Quanto a gravidade, define-se três graus: 

  • Leve: ausência de falência orgânica e complicações locais ou sistêmicas;
  • Moderadamente grave:  presença de disfunção orgânica transitória  (< 48 horas) associada ou não à presença de complicações locais;
  • Grave: presença de disfunção orgânica persistente (> 48 horas) podendo envolver um ou vários órgãos.

Uma observação importante a ser feita para a prática clínica é que, para aqueles pacientes que apresentam falência orgânica nas primeiras 24 horas, há uma certa  dificuldade de se estabelecer  a gravidade final, devido à impossibilidade de predizer se essa disfunção será transitória ou orgânica. Desse modo, recomenda-se que pacientes com este quadro sejam tratados como pancreatite aguda potencialmente grave.

Definição das fases da pancreatite aguda

Além disso, os Critérios Revisados de Atlanta ainda definem as fases do processo dinâmico da doença: 

  • Fase inicial: ocorrem distúrbios sistêmicos resultantes da resposta inflamatória à lesão pancreática. Normalmente, essa fase acaba no final da primeira semana, podendo se estender até a segunda semana. Clinicamente, manifesta-se como a Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) (tabela 1). 
  • Quando a resposta inflamatória se torna persistente, o risco de disfunção orgânica aumenta, e é justamente a presença da falência orgânica e sua duração que determinam a gravidade do quadro na fase inicial. Utiliza-se o escore de Marshall a fim de caracterizar a disfunção orgânica. Ele apresenta uma sensibilidade maior que 90% e uma boa aplicabilidade clínica. Nesse escore, uma pontuação ≥ 2 sugere presença de disfunção orgânica, que pode ser classificada em transitória (resolução em < 48 horas) ou persistente (mantém-se por > 48 horas).  Veja a tabela abaixo: 
  • Fase tardia: caracteriza-se pela persistência dos sinais inflamatórios sistêmicos ou pela presença de complicações (precoces ou tardias), por isso só ocorre em pacientes com pancreatite aguda moderadamente grave e grave. 

Complicações

Suspeita-se de  complicações locais quando há persistência ou recorrência da dor abdominal, aumento da atividade de enzima pancreática sérica (como a amilase, lipase), aumento da disfunção orgânica e/ou desenvolvimento de sinais clínicos de sepse.

  1. Coleção aguda de fluido  peripancreático: desenvolve-se na fase inicial da pancreatite (edematosa intersticial, principalmente), apresentando-se com paredes mal definidas na TC, homogênea; geralmente se resolve espontaneamente, sem intervenções.
  1. Pseudocisto pancreático: quando uma coleção de fluido localizado persiste por mais de 4 semanas, provavelmente evoluirá para o que chamamos de pseudocisto pancreático. Portanto, o pseudocisto é considerado uma complicação tardia da pancreatite e apresenta-se na imagem como uma coleção peripancreática, de paredes bem definidas. 
  1. Coleção necrótica aguda: é uma coleção que surge nas primeiras 4 semanas com conteúdo de tecido necrótico e fluido no parênquima pancreático e/ou peripancreático. Surge da pancreatite necrosante e, por isso, se diferencia da coleção de fluido peripancreática.
  1. Necrose encapsulada: coleção de tecido necrótico pancreático ou peripancreático que se desenvolveu em uma parede de tecido inflamatório bem definida. Geralmente ocorre após 4 semanas, e também está relacionada com pancreatite necrotizante. 
  1. Necrose pancreática infectada: é a infecção do tecido necrótico, sendo a complicação mais temida da pancreatite aguda e ocorre em cerca de 20-35% dos pacientes. Pode ocorrer a qualquer momento do quadro, mas geralmente é uma complicação que aparece nas primeiras 3-4 semanas. Deve ser aventada a hipótese de acordo com o curso clínico do paciente (febre e leucocitose persistentes) ou pela presença de gás dentro da coleção necrótica,vista na TC.

Para mais informações sobre as manifestações clínicas, diagnóstico e o manejo de pacientes com pancreatite aguda, leia nosso texto: Manifestações clínicas, diagnóstico e manejo da pancreatite aguda. 

Referências (H6)

1 – VEGE SS, Clinical manifestations and diagnosis of acute pancreatitis. Uptodate, 2019

2 – Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD.  Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020

3 – Scott T, et al. American College of Gastroenterology Guideline: Management of Acute Pancreatitis. American Journal of Gastroenterology: September 2013 – Volume 108 – Issue 9 – p 1400-1415.

4 – Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, Gooszen HG, Johnson CD, Sarr MG, Tsiotos GG, Vege SS; Acute Pancreatitis Classification Working Group. Classification of acute pancreatitis–2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013 Jan;62(1):102-11. doi: 10.1136/gutjnl-2012-302779.

5 – Bradley EL III. A clinically based classification system for acute pancreatitis. Summary of the International Symposium on Acute Pancreatitis, Atlanta, GA, September 11 through 13, 1992. Arch Surg 1993;128:586–90.

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