Tratamento de prova Vs investigação diagnóstica do refluxo gastroesofágico

A presença dos sintomas clássicos de pirose ou regurgitação duas ou mais vezes por semana é sugestiva de Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), sendo o diagnóstico baseado na clínica, revistos no nosso texto: Doença do refluxo gastroesofágico: Diagnóstico e manejo.

Os critérios endoscópicos, pH-métricos e manométricos fornecem uma caracterização abrangente da doença, embora geralmente não sejam necessárias investigações para o estabelecimento do diagnóstico. No entanto, os pacientes podem exigir avaliação adicional se tiverem sinais de alarme, fatores de risco para o esôfago de Barrett ou imagem gastrointestinal anormal realizada para avaliação de seus sintomas.

Outros sintomas, como dor torácica, sensação de globus, tosse crônica, rouquidão, chiado e náusea podem ser observados no contexto da DRGE, mas não são suficientes para fazer um diagnóstico clínico na ausência de sintomas clássicos, visto que outros distúrbios precisam ser excluídos antes de atribuir os sintomas à DRGE.

Avaliação inicial na suspeita de DRGE

A avaliação inicial deve documentar a presença, a gravidade e a frequência da pirose, regurgitação e sinais de alarme; esôfago atípico, sintomas pulmonares, otorrinolaringológicos e orais também deve ser procurados. Pode ser útil avaliar fatores precipitantes como alimentação e dieta, atividades e decúbito dorsal, assim como fatores de alívio.

Neste ponto, é importante descartar outros diagnósticos gastrointestinais, particularmente câncer e doença ulcerosa, especialmente nas regiões em que são mais prevalentes. Também é importante considerar outros diagnósticos não gastrointestinais, especialmente doenças cardíacas isquêmicas.

Ferramentas de questionário diagnóstico para DRGE foram desenvolvidas para estudos epidemiológicos. No entanto, não apresentaram bons resultados. Uma história cuidadosa é a base do diagnóstico sintomático, com Endoscopia Digestiva Alta (EDA) sendo reservada para identificar ou excluir significantes lesões estruturais em casos selecionados.

Fluxograma 1: investigação diagnóstica DRGE

Tratamento de prova

Embora 40 a 90% dos pacientes com sintomas sugestivos de DRGE apresentem resposta sintomática aos inibidores da bomba de prótons (IBPs), uma resposta à terapia antissecretora não é um critério diagnóstico para a DRGE. Estudos sobre as características dos testes de diagnóstico evidenciaram que uma resposta sintomática aos IBPs não se correlacionou bem com medidas objetivas da DRGE, como o monitoramento ambulatorial do pH. A sensibilidade e especificidade combinadas foram de 78% e 54%, respectivamente. Assim, uma resposta aos IBPs não corresponde a um diagnóstico de DRGE com base em testes de refluxo.

Não é mais recomendado administrar um curso empírico de curto prazo (1 a 2 semanas) de tratamento com altas doses de IBPs para determinar se os sintomas do paciente se devem a secreção ácida, pois não é sensível nem específico. Um curso formal de terapia com IBP, de duração adequada (geralmente 8 semanas) é necessário para avaliar a resposta ao tratamento em pacientes com DRGE.

Episódios de refluxo fracamente ácidos podem representar uma proporção substancial de todos os episódios de refluxo. Nesses casos, os pacientes podem não responder bem à terapia com IBP (20% a 40%). Além disso, os refluxos alcalinos podem compreender até 5% de todos os episódios de refluxo.

Em um subconjunto de pacientes que não respondem aos IBPs, os sintomas semelhantes ao refluxo podem ser devidos a dispepsia funcional, em vez de DRGE. Diagnósticos alternativos, incluindo úlcera péptica, câncer gastrointestinal alto, dispepsia funcional, esofagite eosinofílica, acalasia da cárdia e doenças cardiovasculares também devem ser consideradas.

Em pacientes refratários ao tratamento com IBPs, monitoramento ambulatorial de pH esofágico em 24 horas, com ou sem impedânciometria, na ausência de terapia com IBPs, pode ser considerado para ajudar a caracterizar os sintomas. Se houver uma falha completa na resposta ao IBP, esse deve ser interrompido pelo menos uma semana antes do monitoramento do pH de 24 horas para permitir a avaliação do refluxo ácido.

Se os sintomas refratários do refluxo responderem parcialmente, o monitoramento do pH em 24 horas, com ou sem impedânciometria, deve ser realizado com a administração continuada de IBP para avaliação do refluxo ácido persistente, apesar do tratamento. Ocasionalmente, pode ser necessário o monitoramento do pH em 24 horas com impedânciometria esofágica, estando o paciente em uso de IBP e sem a terapia.

Investigação diagnóstica

Uma avaliação adicional é necessária em pacientes selecionados com suspeita de DRGE para descartar etiologias alternativas, confirmar seu diagnóstico e avaliar complicações, como esôfago de Barrett.

1) Endoscopia Digestiva Alta (EDA)

A EDA é indicada em pacientes com suspeita de DRGE para avaliar sinais de alarme (tabela 1)ou imagens anormais, se não foi realizada nos últimos três meses.

Também deve ser realizada para rastrear o esôfago de Barrett em pacientes com múltiplos fatores de risco (um dos quais deve ser a duração da DRGE de pelo menos 5 a 10 anos) (tabela 2).

As biópsias devem ter como alvo qualquer área com suspeita de metaplasia, displasia ou, na ausência de anormalidades visuais, mucosa normal para avaliar a esofagite eosinofílica.

A EDA não é necessária para o diagnóstico de DRGE. No entanto, pode detectar manifestações esofágicas da DRGE, como metaplasia intestinal e esofagite erosiva, e descartar malignidades do trato gastrointestinal superior. Também pode descartar outras etiologias em pacientes com sintomas de DRGE refratários a terapia com IBPs.

Deve ser considerada precocemente para idosos e pacientes com dor torácica não cardíaca. Recomenda-se sua realização imediata em áreas com alta incidência de câncer gastrointestinal superior.

A imagem abdominal não é necessária para estabelecer o diagnóstico de DRGE, mas pode ter sido realizada para avaliação de sintomas concomitantes. Nesses casos, anormalidades da imagem luminal do trato gastrointestinal superior podem justificar avaliação diagnóstica com EDA.

Achados endoscópicos

A EDA pode ser normal em pacientes com DRGE ou pode haver evidências de esofagite em graus variados. Entre os pacientes com DRGE não tratados, aproximadamente 30% terão esofagite endoscópica, e a gravidade e a duração dos sintomas correlacionam-se pouco com a gravidade da esofagite.

Em contraste com a esofagite infecciosa e induzida por medicação, que tendem a estar no esôfago proximal, as ulcerações observadas na esofagite péptica têm geralmente forma irregular ou linear, são múltiplas e estão no esôfago distal. Outros achados endoscópicos em pacientes com DRGE de longa data incluem estenose péptica, metaplasia intestinal e adenocarcinoma de esôfago.

Aproximadamente dois terços dos pacientes com sintomas de DRGE e sem achados endoscópicos visíveis (doença do refluxo não erosiva) têm evidências histológicas de lesão esofágica que responde à terapia de supressão de ácido. No entanto, a histologia não é específica para DRGE e achados semelhantes podem ser observados em pacientes com esofagite eosinofílica.

A biópsia esofágica é indicada para excluir outras causas dos sintomas, como esofagite eosinofílica, e na suspeita de esôfago de Barrett. A biópsia gástrica é indicada para investigação de H. pylori em pacientes submetidos a EDA devido a sintomas gastrointestinais superiores. A infecção deve ser tratada, se detectada.

2) Esofagomanometria

Em pacientes com suspeita de DRGE com dor torácica e/ou disfagia e EDA normal, a manometria esofágica deve ser realizada para excluir um distúrbio da motilidade esofágica. Ela se faz útil para garantir que as sondas de pH sejam colocadas corretamente, mas não pode diagnosticar a DRGE. Também é usada para avaliar a função peristáltica do esôfago antes da cirurgia antirrefluxo.

3) pH-metria esofágica computadorizada 24 horas

O monitoramento do pH esofágico também é usada para confirmar o diagnóstico de DRGE naqueles com sintomas persistentes (típicos ou atípicos) ou para monitorar a adequação do tratamento naqueles com sintomas continuados. É útil no pré-operatório, e para correlacionar sintomas com refluxo e documentar a exposição anormal ao ácido e frequência de refluxo.

Tradicionalmente, os testes são realizados por um período de 24 horas, com pacientes orientados a consumir uma dieta sem restrições.

4) Esofagografia baritada

Pode ser indicada para avaliação da disfagia e, ocasionalmente, para caracterização da hérnia hiatal. Porém, não é útil para o diagnóstico de DRGE, e não é usualmente recomendada, exceto para avaliação de complicações (estenose e dismotilidade).

5) Teste respiratório de ureia

Indicado nas situações de dispepsia não investigada, em populações cuja prevalência de H. pylori é alta (> 20%).

Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que o diagnóstico da DRGE é clínico, e que os métodos propedêuticos devem ser usados para avaliação adicional em pacientes com sinais de alarme, fatores de risco para o esôfago de Barrett, imagem gastrointestinal anormal, ou refratários à terapia.

Ademais, o tratamento de prova com IBP não é um critério diagnóstico para DRGE devido à sensibilidade e especificidade baixas. Portanto, não é mais recomendado administrar um curso empírico de curto prazo (1 a 2 semanas) como investigação diagnóstica, mas um curso formal de terapia com IBP, de duração adequada (geralmente 8 semanas) é necessário para avaliar a resposta ao tratamento em pacientes com DRGE já diagnosticada.

Referências

1 – Kahrilas, P.J. Clinical manifestations and diagnosis of gastroesophageal reflux in adults. Up to date. 2019. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-gastroesophageal-reflux-in-adults

2 – World Gastroenterology Organisation Global Guidelines. GERD Global Perspective on Gastroesophageal Reflux Disease. J Clin Gastroenterol Volume 51, Number 6, July 2017

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