Manifestações clínicas, diagnóstico e manejo da pancreatite aguda

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No pronto atendimento é relativamente comum a queixa de dor abdominal. Porém, essa é uma manifestação clínica que abrange inúmeras hipóteses diagnósticas.  Nesse contexto, é de extrema importância lembrar da pancreatite aguda dentre as possibilidades etiológicas da dor. 

Isto porque a pancreatite se manifesta, classicamente,  com quadro de dor intensa, súbita e persistente na região epigástrica, muitas vezes descritaem faixa no abdome superior (quadrante direito ou esquerdo), podendo ou não irradiar para o dorso

Além disso, outros sintomas que podem estar associados à dor abdominal:

  • Náuseas e vômitos;
  • Febre/sudorese; 
  • Aumento da pressão arterial;
  • Queda do estado geral.

O diagnóstico de pancreatite aguda compreende suspeita clínica compatível com a doença (sinais e sintomas citados, aliados à dados colhidos na anamnese como história de etilismo e quadro característico de litíase biliar) associada à alterações laboratoriais e/ou de imagens.

Dessa forma, segundo o American College of Gastroenterology, para o diagnóstico de pancreatite aguda são necessários dois dos três critérios apresentados abaixo:

  1. Dor abdominal típica (início súbito de dor epigástrica persistente, intensa, podendo irradiar para dorso);
  2. Elevação da lipase sérica (ou amilase sérica) para três vezes ou mais do que o limite superior do normal;
  3. Achados característicos em exames de imagem, como em tomografia computadorizada (TC) com contraste, ressonância magnética (RNM) ou ultrassonografia transabdominal. 

Vale ressaltar que o aumento de três vezes ou mais o limite superior da normalidade da amilase ou da lipase sérica é fortemente sugestivo de pancreatite aguda, mas não são considerados marcadores de gravidade da doença. 

A tabela abaixo apresenta alguns pontos interessantes sobre o aumento desses marcadores e que valem ser destacados:

Os exames de imagem só devem ser solicitados à admissão em casos de dúvidas diagnósticas. Geralmente, dá-se preferência por realizar imagens após 48-72 horas de evolução do quadro, considerando a busca por complicações locais e melhor auxílio na confirmação da gravidade deste.

Uma vez solicitados, o exame de imagem pode evidenciar um aumento focal ou difuso, com sinais de edema e/ou necrose

Como destacado acima, os exames de imagem no início da avaliação têm o objetivo de elucidar cenários de dúvidas diagnósticas. Neste contexto, pode ser importante realizar outros exames complementares a fim de descartar diagnósticos diferenciais como: 

  • Úlcera péptica;
  • Coledocolitíase ou colangite;
  • Colecistite;
  • Obstrução intestinal;
  • Isquemia mesentérica;
  • Hepatite;

Abaixo, listamos sugestões de outros exames que podem ser solicitados para elucidação do quadro: 

  • Hemograma seriado (avaliações seriadas do hematócrito permitem inferir sobre a resposta do paciente ao tratamento de reposição volêmica);
  • Eletrólitos e cálcio; 
  • Função hepática;
  • Proteína C reativa;  
  • Creatinina;
  • Gasometria arterial (importante para realização do escore de Marshall modificado);
  • Exames de imagem (eletrocardiograma, TC e RNM)

Por fim, é interessante observar que para todas as mulheres em idade reprodutiva é preconizado solicitar um teste de gravidez, considerando a possibilidade de complicações gestacionais.

Manejo

O manejo do paciente é melhor direcionado após a análise de gravidade do quadro, mas apesar disso, todo tratamento de pancreatite aguda se baseia no seguinte tripé

  1. Controle álgico adequado;
  2. Expansão volêmica;
  3. Ajuste da dieta;
1) Controle álgico

O paciente comumente apresenta-se com uma dor importante, mas que não necessariamente associa-se à gravidade do quadro clínico. Por esse motivo, como boa prática, é fundamental que o médico assistente avalie adequadamente a dor do doente com o uso de escalas padronizadas como, por exemplo, a escala numérica de dor mostrada abaixo. 

Figura 1: Escala numérica da dor. Fonte: Manual de Urgências e Emergências – Rede de Ensino Terzi

A terapêutica anti-álgica deve ser sempre escalonada para o controle adequado da dor, lançando-se mão de opióides, AINES (a depender do julgamento clínico e de ausência à contraindicações como insuficiência renal aguda) e outros analgésicos simples.

2) Expansão volêmica

Quanto à expansão volêmica, preferencialmente, recomenda-se o uso de ringer lactato, direcionando o tratamento às metas clínicas e laboratoriais de melhora perfusional. Assim, sugere-se: 

  • Pacientes hipotensos e/ou mal perfundidos: bolus de cristaloide de 250 a 500mL até que se obtenha a estabilidade hemodinâmica. Lembrar de reavaliar o doente constantemente quanto a tolerância e do limite superior sugerido de 30mL/kg;
  • Após a estabilidade: avaliar a manutenção de cristaloides nas primeiras 12 a 48 horas do quadro. Podem ser necessários, de acordo com a evolução clínica individual e tolerância do doente, volumes de 250 – 500mL/h.
3) Ajuste da dieta

Já em relação à dieta, preconiza-se sua suspensão por 24 a 48 horas. Passado este período, a reintrodução alimentar precoce deve ser estimulada de acordo com a aceitação e tolerância do doente

Caso o paciente não tolere a reintrodução alimentar oral, sugere-se avaliar o uso de nutrição enteral. Contudo, vale ressaltar que o estímulo para a reintrodução alimentar precoce é fundamental para reduzir as chances de translocação bacteriana e necrose pancreática. 

É importante avaliar possíveis complicações através do uso de exames de imagem em casos de ausência de melhora clínica após 48-72 horas de tratamento. Em casos de complicações, podem ser necessários procedimentos cirúrgicos como drenagem endoscópica e nos casos de origem biliar, a colecistectomia é preconizada.

Por fim, é interessante ressaltar que o uso rotineiro de antibiótico está contraindicado, devendo ser utilizado somente em casos de complicação infecciosa sobreposta, o que ocorre, geralmente, entre a 2a e 4a semanas após início dos sintomas. Em caso positivo, as bactérias gram negativas respondem pela maior parte da etiologia infecciosa.


Referências

1 – VEGE SS, Clinical manifestations and diagnosis of acute pancreatitis. Uptodate, 2019

2 – Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD.  Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020

3 – Scott T, et al. American College of Gastroenterology Guideline: Management of Acute Pancreatitis. American Journal of Gastroenterology: September 2013 – Volume 108 – Issue 9 – p 1400-1415

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