AHA 2020: atualizações das diretrizes de RCP e ACE

Classicamente, a cada cinco anos a American Heart Association (AHA) publica novos guidelines sobre reanimação cardiopulmonar (RCP) e atendimento cardiovascular na emergência (ACE) embasados na compilação e análise das melhores evidências disponíveis de estudos ao longo desse período de tempo. Esses materiais servem como base para a elaboração e atualização dos cursos de simulação realística chancelados internacionalmente pela entidade, tais como o ACLS, PALS e BLS.

Objetivamente, vamos pontuar as mudanças mais importantes destas novas diretrizes e que já estão sendo colocadas em prática nos nossos cursos. 

1. Inserção de novo elo na cadeia de sobrevivência

A AHA adicionou um sexto elo na conhecida cadeia de sobrevivência do atendimento à possível parada cardiorrespiratória (PCR), tanto em ambiente pré-hospitalar quanto intra-hospitalar. O novo elo é o de RECUPERAÇÃO, com a finalidade de pontuar a necessidade de cuidado intensivo e monitoramento constante dos parâmetros ventilatórios, circulatórios e neurológicos no pós-PCR.

Além disso, o processo de recuperação pós-PCR continua por muito tempo após a hospitalização e o atendimento inicial. Dessa forma, a AHA recomenda que os sobreviventes de PCR tenham avaliação de reabilitação multimodal e tratamento para prejuízos físicos, cognitivos e psicossociais (ansiedade, depressão, transtorno pós-traumático). Estes pontos também se estendem para os cuidadores dos sobreviventes, de forma a garantir bem-estar físico, cognitivo e emocional e o retorno ao funcionamento social e profissional. 

Figura 1: As cadeias de sobrevivência da AHA para parada cardiorrespiratória intra-hospitalar e extra-hospitalar. Fonte: Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.

2. Algoritmo universal de PCR para adultos

Como bem sabemos, a Epinefrina, na dose de 1 mg, é o principal medicamento utilizado no atendimento a uma PCR, independente do ritmo. Assim sendo, a AHA traz em suas diretrizes mudança no  algoritmo universal de PCR para adultos, com intuito de enfatizar o importante papel da administração precoce da epinefrina em pacientes com ritmos não chocáveis (Assistolia e Atividade Elétrica Sem Pulso). 

Para mais informações sobre o atendimento de pacientes em PCR de ritmos não chocáveis, leia nosso texto: As 10 dúvidas mais frequentes no atendimento à parada cardiorrespiratória

No fluxograma de ritmos chocáveis também tivemos o reforço de alguns conceitos. Não é novidade que pacientes com PCR em Fibrilação Ventricular (FV) ou Taquicardia Ventricular Sem Pulso (TVSP), além indicação do uso de uma amina (Epinefrina), deve ser feito medicação antiarrítmica.  

Desde 2015 utilizamos como o principal medicamento a Amiodarona (1ª dose 300 mg e 2ª dose 150 mg, totalizando 450 mg). Agora, a AHA nos recorda que a Lidocaína tem o mesmo grau de evidência que Amiodarona como antiarrítmico no atendimento de uma PCR em FV ou TVSP, e pode ser usada 1ª dose 1 a 1,5 mg/kg e 2ª dose 0,5 a 0,75 mg/kg.

3. Medicações utilizadas no atendimento da Bradicardia

A grande mudança neste algoritmo vem na alteração da dose da Atropina de 0,5 mg para 1 mg, totalizando dose máxima de 3 mg. Além disso, no tratamento de segunda linha com as aminas vasoativas Epinefrina (2 a 10 mcg/min) e Dopamina houve mudança quanto à dose da Dopamina passando a ser 5 a 20 mcg/kg/min.

4. Adição de novos algoritmos de atendimento de PCR

Na última década tem-se observado uma explosão no abuso de opióides, principalmente em países como os Estados Unidos. Consequentemente, inúmeras publicações começaram a surgir nos meios científicos, ressaltando o controle do uso de destes medicamentos, principalmente no ambiente domiciliar, devido ao risco de parada cardiorrespiratória em caso de abuso da medicação.

Assim sendo, a AHA produziu novos algoritmos para emergência associada a opióides para socorristas leigos e socorristas treinados (profissionais da área da saúde), a fim de reforçar conceitos, já introduzidos em 2015, sobre o manejo dessas possíveis vítimas.

Figura 2: Algoritmo de emergência associado à opióides para socorristas leigos. Fonte: Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.
Figura 3: Algoritmo de emergência associado à opióides para profissionais da área da saúde (socorristas treinados). Fonte: Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020

Um outro novo algoritmo foi o tratamento da PCR em gestantes. Essa situação sempre foi motivo de muita discussão entre os especialistas, o que deixou claro a necessidade de um trabalho colaborativo entre serviços de emergência, serviços obstétricos e serviços neonatais. A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) de qualidade é sempre o foco, assim como a reanimação maternal, ou seja, a prioridade é salvar a mãe. 

Para isso podem ser feitas algumas medidas como o deslocamento uterino lateral (para aliviar a compressão dos vasos sanguíneos abdominais maternos), a cesariana de emergência nos primeiros 5 minutos de atendimento, visando o melhor desfecho do binômio materno-fetal.

Figura 4: Algoritmo de suporte de vida cardiovascular intra-hospitalar para PCR na gravidez. Fonte: Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.

Sobre as possíveis etiologias de PCR na gestante, a AHA publicou um mnemônico ABCDEFGH: 

  • A – representando as possíveis complicações anestésicas;
  • B, Bleeding – traduzido como hemorragia, que é uma causa importante e relacionada à hipovolemia e suas complicações; 
  • C – representando distúrbios cardiovasculares que a gestante pode ter;
  • D, Drugs – do português medicamentos que podem ter contribuído para a gênese da PCR; 
  • E –  embolia, devido às alterações trombogênicas da gestação em si;
  • F – febre, que representa os conceitos infecciosos sobrepostos que podem contribuir para a instabilidade hemodinâmica;
  • G – gerais, outras causas não obstétricas que podem causar PCR (5H’s e 5T’s, por exemplo); 
  • H – hipertensão, pois os distúrbios pressóricos que podem eventualmente evoluir com instabilidade hemodinâmica estão presentes na gestação. 

5. Cuidados Pós-PCR e Neuroprognóstico

Os cuidados pós parada cardiorrespiratória também foram pontos fundamentais da atualização, pelo fato de o paciente no pós-PCR imediato estar mais sujeito a ter um novo evento nos próximos minutos do retorno da circulação espontânea. Para tanto, a AHA ressalta atenção aos cuidados de parâmetros ventilatórios e parâmetros hemodinâmicos: 

  • Garantir o posicionamento do tubo orotraqueal
  • Garantir que não haja hipóxia ou hiperóxia (saturação periférica de oxigênio 92 a 98%);
  • Tratamento da hipotensão, buscando pressão arterial média maior que 65 mmHg e pressão arterial sistólica maior que 90 mmHg. 
  • Avaliação do neuroprognóstico.
Figura 5: Algoritmo dos cuidados pós-PCR. Fonte: Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.
Figura 6: Continuação do algoritmo dos cuidados pós-PCR. Fonte: Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.

Sobre o status neurológico do paciente pós-PCR, a AHA produziu o diagrama exibido abaixo (figura 6) informando sobre o prognóstico neurológico, no qual foram colocados vários tipos de parâmetros de imagem, registro e laboratoriais que ajudam a monitorar o estado do paciente e nas decisões do médico assistente. Além disso, segundo as diretrizes, para que a avaliação do neuroprognóstico seja confiável deve-se realizá-lo no mínimo 72 horas do retorno para a monotermia.

Figura 7: Abordagem recomendada para prognóstico neurológico multimodal em pacientes adultos após parada cardiorrespiratória. Fonte:Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.

6. Desfibrilação sequencial dupla

Um outro ponto das atualizações que foi bastante comentado foi a não recomendação da desfibrilação sequencial dupla para ritmo chocável refratário. Essa prática se resume a aplicar choques quase simultâneos usando dois desfibriladores. A recomendação então é o retorno da RCP imediatamente após a desfibrilação no atendimento de PCR em ritmos chocáveis.  

7. Monitoramento fisiológico da qualidade da RCP

Já nas diretrizes de 2015 a AHA aconselhava o uso de parâmetros fisiológicos como a pressão arterial e a capnografia em forma de onda na curva ETCO2 (teor de dióxido de carbono ao final da expiração) para monitorar a qualidade da ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Em 2020, a AHA apresentou novos dados que corroboram com a inclusão desta recomendação nas novas diretrizes.

Dessa forma, os socorristas devem buscar uma ETCO2 pelo menos 10 mmHg, preferencialmente 20 mmHg, que foram comprovadamente associados a maior probabilidade de retorno da circulação espontânea. 

8. Prioridade do acesso vascular

Nos protocolos de 2010 e 2015 a AHA considerava que o acesso vascular ideal para fazer  os medicamentos era o acesso venoso periférico e o acesso intraósseo. Em 2020, a AHA destacou que o acesso venoso periférico é prioridade, pela sua associação com melhores resultados em estudos retrospectivos apresentados. Então, o acesso intraósseo pode ser considerado se as tentativas de acesso venoso não forem bem sucedidas ou forem inviáveis. 

Se você teve dúvidas quanto aos cursos da American Heart Association, leia nosso texto: Por que fazer os cursos da American Heart Association na CUREM? 

Referência

1 – Lavonas EJ, et. al. Destaques das diretrizes de rcp e ace de 2020 da American Heart Association. AHA, Out 2020.

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