A avaliação primária no trauma torácico: identificando lesões com risco à vida

O trauma torácico, seja ele penetrante ou contuso, representa uma importante causa de mortalidade nas salas de emergência. Uma conduta rápida e eficaz, bem como a correta diferenciação dos diagnósticos de causas ameaçadoras de vida provocadas pelo trauma, podem ser a diferença para salvar a vida de um paciente.

A maioria das vítimas de trauma torácico podem ser tratadas por procedimentos técnicos simples, treinados e capacitados no curso Advanced Trauma Life Support (ATLS) da American College of Surgeons, tendo em vista que menos de 10% das lesões contusas e de 15 a 30% das lesões penetrantes precisarão de intervenção cirúrgica.

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É importante ressaltar que, fisiologicamente, o trauma torácico pode desencadear hipóxia, hipercarbia e acidose, que, por sua vez, podem ser provocados por diferentes mecanismos, como pneumotórax aberto ou hipertensivo. A avaliação primária desse paciente deve ser detalhada e os principais pontos serão elucidados abaixo.

Na avaliação primária, objetiva-se identificar de forma rápida e tratar precocemente as lesões torácicas que trazem risco de vida. Dessa forma, aborda-se inicialmente as vias aéreas (A), a ventilação (B) e a circulação (C).

1. Via aérea

A avaliação da via aérea busca principalmente por obstruções, sejam estas provocadas por edema, sangue, deslocamento traqueal ou lesões laríngeas. Dessa forma, a orofaringe deve ser inspecionada e o olhar clínico deve estar atento à possíveis obstruções de via aérea.

As evidências clínicas de obstrução perpassam pela queixa de dispneia, por retrações de músculos respiratórios (ex. supraclavicular e intercostal), pela presença de estridor ou por uma mudança na qualidade de voz. É importante ouvir o movimento do ar no nariz, boca e ausculta pulmonar. O estridor, por exemplo, é provocado por uma obstrução parcial de via aérea superior.

Caso uma obstrução seja constatada, a aspiração de sangue ou de vômitos, se presentes, deve ser realizada, enquanto ocorre a preparação para realizar procedimentos de via aérea definitiva.

Outro ponto a ser observado diz respeito a lesões da árvore traqueobrônquica que, apesar de serem incomuns, podem ser provocadas por mecanismos direto ou indireto do trauma e são potencialmente fatais. Os pacientes podem apresentar hemoptise, enfisema subcutâneo cervical – por isso é importante palpar a região cervical em busca de crepitações-, pneumotórax hipertensivo e cianose.

Um ponto importante a ser observado é a expansão incompleta do tórax após drenagem torácica, que pode evidenciar uma lesão na arquitetura da via. A maioria dos pacientes com esse tipo de lesão vêm a óbito no local do acidente. Contudo, em um contexto hospitalar, diante da suspeita do quadro, um cirurgião deve ser acionado imediatamente para manejo da via aérea.

2. Ventilação

Problemas na troca gasosa podem surgir, principalmente, por pneumotórax hipertensivo ou aberto e hemotórax maciço, resultantes do trauma torácico, condições as quais devem ser bem diagnosticadas para seu correto manejo. A avaliação conta com a inspeção do tórax e pescoço, o que requer abertura temporária do colar cervical após proteção e imobilização da cabeça do paciente. 

Figura 1: Representação do pneumotórax à esquerda e do hemotórax à direita.

A observação da simetria de movimentos respiratórios, a ausculta de sons pulmonares e a palpação torácica em busca de dor, crepitação e deformidades, devem fazer parte do exame. Sinais como taquipneia, mudança nos padrões de expansibilidade, retração da caixa torácica e a percepção de uma respiração superficial, indicam troca gasosa deficitária

Como citado acima, há 3 desdobramentos do trauma torácico que cursam com deficiência de troca gasosa.

O pneumotórax hipertensivo resulta da formação de um escape de ar do pulmão para o espaço pleural, sem a possibilidade de sair, o que colapsa o pulmão. Com isso, há um deslocamento do mediastino para o lado oposto, redução do retorno venoso e compressão do pulmão contralateral.

Figura 2: Representação do pneumotórax hipertensivo.

Já o pneumotórax aberto ocorre em decorrência de ferimentos importantes da parede torácica, que se tornam o local de passagem do ar e comprometem a oxigenação gasosa.

Figura 3: Representação do pneumotórax aberto.

Por fim, o hemotórax hipertensivo é causado por um acúmulo igual ou superior a 1,5L de sangue na cavidade torácica, que comprime os pulmões, e pode ser provocado principalmente por ferimentos penetrantes na linha média torácica, anterior ou posterior.

3. Circulação

O trauma torácico pode provocar, dentre as patologias circulatórias, principalmente hemotórax maciço, tamponamento cardíaco e parada cardíaca por trauma. O primeiro foi elucidado acima e os últimos serão abordados abaixo.

O tamponamento cardíaco decorre da compressão do coração, lenta ou rápida, pelo acúmulo de líquido no saco pericárdico, por lesões penetrantes (mais comumente) ou contusas. A tríade clássica de Beck evidencia a presença de tamponamento: abafamento de sons cardíacos, hipotensão e elevação da pressão venosa, mas não está presente em todos os pacientes.

O sinal de Kussmaul (um aumento da pressão venosa com inspiração ao respirar espontaneamente) e a atividade elétrica sem pulso (AESP) podem estar presentes. É importante diferenciá-lo do pneumotórax hipertensivo, que, ao contrário do tamponamento cardíaco, apresenta hiperressonância à percussão.

O exame FAST (avaliação ultrassonográfica orientada para o trauma) é o método de imagem mais rápido e preciso que pode efetivamente identificar o tamponamento cardíaco.

Para mais informações sobre o uso do ultrassom na emergência, acesse nosso texto: Ultrassonografia à beira do leito – Porque saber e quando utilizar?

Por fim, ressalta-se a parada circulatória traumática, que pode decorrer da hipóxia grave, do pneumotórax hipertensivo, da hipovolemia profunda e de um tamponamento cardíaco, por exemplo. Seu diagnóstico é clínico (vítima inconsciente e sem pulso) e requer uma intervenção por reanimação fechada e apropriada.

Para mais informações sobre o tratamento e reconhecimento de uma PCR, acesse nossos textos: As 10 dúvidas mais frequentes no atendimento à parada cardiorrespiratória e AHA 2020: atualização das diretrizes de RCP e ACE.

Ficou curioso para saber mais sobre o atendimento no trauma? Acesso nosso texto: Avaliação inicial e exames complementares no trauma abdominal.

Referência

1 – Chicago, USA.  ATLS – Advanced Trauma Life Support for Doctors. American College of Surgeons: Chicago: Committee on Trauma. 10a. Ed., 2018.

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