Suporte ventilatório de pacientes com coronavírus (COVID-19)

A infecção pelo COVID-19 afeta principalmente o trato respiratório dos pacientes. Grande parcela dos pacientes apresenta apenas sintomas leves a moderados, porém, cerca de 14% necessitam de oxigenioterapia e 5% necessitam de tratamento em terapia intensiva e ventilação mecânica. Listamos abaixo algumas das recomendações em relação a esses pacientes. Vale reforçar que todos os paciente com suspeita de infecção pelo COVID-19 devem ser mantidos em isolamento respiratório. As recomendações sobre precaução do contágio são tema de outro texto. 

Alvo de saturação de oxigênio

Recomenda-se ofertar oxigênio para pacientes com sintomas respiratórios e dessaturação com alvo de  SpO2 maior ou igual que 94% na fase de estabilização inicial. Deve-se utilizar o menor fluxo de oxigênio possível para atingir esse alvo. Após a estabilização inicial esse alvo pode ser reduzido para SpO2 > 90% nos pacientes em geral e SpO2 maior ou igual a  92–95% em gestantes. 

Reposição volêmica

O manejo de pacientes com COVID-19 e choque será tema de outro texto, porém é importante ressaltar que deve-se utilizar uma estratégia de restrição de fluidos, pois a administração excessiva de fluidos pode piorar o quadro respiratório do paciente. 

Ventilação não-invasiva  (VNI) e Cateter nasal de alto fluxo

Recomenda-se não utilizar como rotina a Ventilação não-invasiva e Cateter nasal de alto fluxo. Essas modalidades não-invasivas estão associadas à alta taxa de falência e podem contribuir para a disseminação do vírus. Essas terapias podem ser consideradas em casos selecionados, como em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada e doença pulmonar obstrutiva crônica. 

Intubação orotraqueal

O risco de falência respiratória deve ser identificado precocemente. O paciente deve ser submetido à intubação em sequência rápida por profissional experiente. Esse profissional deve utilizar precaução para aerossóis (máscara N-95). Antes da intubação em sequência rápida deve-se avaliar se o paciente possui preditores de via aérea difícil. caso isso ocorra, deve-se utilizar técnicas alternativas de intubação. 

Para a realização da intubação recomenda-se pré oxigenação breve (cerca de 5 minutos) com dispositivo bolsa-válvula-máscara com reservatório de modo a ofertar FiO2 próxima de 100%. Caso não seja obtida saturação adequada pode-se considerar o uso da VNI para pré oxigenação. 

Ajuste da ventilação mecânica

As recomendações de ajuste de ventilação mecânica nos pacientes com COVID-19 são semelhantes às dos pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). 

A lesão induzida pela ventilação mecânica (VILI) é uma importante causa de piora dos desfechos clínicos nos casos de SARA. Dessa forma, a estratégia de ventilação mecânica na SARA e na infecção pelo CVID-19 deve ser direcionada à prevenção da VILI e se baseia principalmente em baixos volumes correntes e PEEP elevada.

A estratégia com baixos volumes correntes comprovadamente melhora o desfecho clínico de pacientes com SARA. Nesses pacientes pode ser tolerado pH > 7,2 e pCO2 < 80 mmHg (hipercapnia permissiva). Devido a baixa complacência pulmonar na SARA, os pacientes possuem tempos expiratórios curtos. Dessa forma, podem ser utilizadas frequências respiratórias maiores que o habitual. Pode-se iniciar com FR igual a 20 irpm e progredir até 35 irpm. 

Ao iniciar a ventilação em modo VCV e sempre que for aumentado o volume corrente ou a PEEP, deve ser realizada a medida da pressão de platô. Ela deve ser mantida abaixo de 30 cmH2O. Pode ser tolerada pressão de platô até 35 cmH2O, caso a pressão de distensão alveolar esteja abaixo de 15 cmH2O (isso ocorre nos casos em que se utiliza PEEP superior a 20 cmH2O). Para a realização da medida da pressão de platô o paciente deve estar “entregue” na ventilação mecânica (ausência de esforço inspiratório) e a pausa deve durar de 0,5 a 2 segundos. 

Tabela 1: Recomendação de ajustes e limites da ventilação mecânica
ModalidadeVCV ou PCV
Volume corrente3-6 ml/Kg de peso predito
Pressão de platô< 30 cm H2O
Pressão de distensão alveolar (Driving-pressure)Menor que 15 cm H2O
Frequência respiratóriaAlta. Iniciar com 20 e aumentar até 35 irpm.
FiO2Necessária para manter SO2 entre 88-94% ou PaO2 55-80 mmHg. 
PEEPElevada. Selecionar conforme tabelas 2 e 3.

Ajuste da PEEP

A PEEP deve ser ajustada de acordo com uma das tabelas abaixo. 

Nos casos de leves pode-se utilizar a tabela sugerida pelo estudo ARMA, que trabalha com PEEPs mais baixas. 

Tabela 2. Tabela PEEP baixa. Estudo ARMA. 
FiO20.30.40.50.60.70.80.91.0
PEEP55-88-101010-141414-1818-24

Nos casos graves ou refratários ao uso da estratégia anterior, pode-se utilizar a tabela do estudo ALVEOLI. 

Tabela 3. Tabela PEEP alta. Estudo ALVEOLI. 
FiO20.30.40.50.6-0.80.80.91.0
PEEP12-1414-1616-1818-20222222-24

Recrutamento alveolar

O uso de manobras de recrutamento alveolar associado a titulação da PEEP é chamado de “open lung ventilation”. Apesar de muito utilizado no nosso meio, não existe comprovação de que essa estratégia possua benefícios e o estudo ART demonstrou aumento de mortalidade com essa técnica. Portanto, baseado na melhor evidência até o momento, optamos por não recomendar o uso de manobras de recrutamento associadas à titulação da PEEP. 

Bloqueio neuromuscular

Não é recomendado o bloqueio neuromuscular de rotina. Pode-se considerar o uso do bloqueio neuromuscular com cisatracúrio nas primeiras 48 horas de suporte ventilatório de pacientes com relação PaO2/FiO2 < 120. 

Posição prona

Existe benefício de utilizar a posição prona em pacientes com SARA e relação PaO2/FiO2 < 150. Nesses casos, devem ser feitas sessões de pelo menos 16 horas. As sessões devem ser repetidas até que se obtenha relação PaO2/FiO2 > 150 com PEEP maior ou igual a 10 cmH2O em posição supina. 

A prona está contraindicada nas seguintes situações: 

  • Hipertensão intracraniana
  • Fratura Pélvica
  • Fratura de coluna
  • Hipertensão intra-abdominal (contraindicação relativa)
  • Peritoniostomia
  • Gestação (contraindicação relativa)
  • Tórax instável
  • Instabilidade hemodinâmica grave
  • Equipe inexperiente

Óxido nítrico inalatório

Pode ser utilizado nos casos de SARA grave associado à hipertensão pulmonar aguda e falência de ventrículo direito. 

Troca gasosa extracorpórea (ECMO) 

A ECMO está indicada nos casos de hipoxemia refratária (PaO2/FiO2 <80 com FiO2 > 80%) após otimização da ventilação e uso de manobras de resgate. 

Aspiração e desconexão da ventilação

Deve-se evitar desconectar o paciente do ventilador, tanto para reduzir a contaminação, quanto para evitar a despressurização e piora da hipoxemia. Recomenda-se aspiração em circuito fechado. Nos momentos de desconexão recomenda-se clampar o tubo com uma pinça. 

No curso VENTILEM  todas essas recomendações e ajustes são praticados pelos alunos utilizando ventiladores mecânicos reais e simulador de pulmão capaz de reproduzir de maneira realista um paciente com alterações pulmonares compatíveis com as causadas pelo COVID-19. 

Módulo gratuito: COVID-19 na emergência

O módulo Coronavírus na emergência, visa, sobretudo, preparar os profissionais da saúde no enfrentamento de pacientes graves diagnosticados com o vírus Convid-19

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Referências:

Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI) when COVID-19 disease is suspected Interim guidance 13 March 2020. World Health Organization (WHO). https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/clinical-management-of-novel-cov.pdf?sfvrsn=bc7da517_10&download=true

Bragança RD  et al. VENTILEM. Ventilação mecânica na emergência. Ed. CUREM. 2019. 

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