5 Dicas de como abordar pacientes com provável doença infectocontagiosa na emergência

O atendimento inicial do paciente com Síndromes Febris na emergência é um grande desafio clínico. O paciente pode se apresentar com febre por causas infectocontagiosas ou por etiologia não-infecciosa. Muitas vezes as manifestações clínicas iniciais das síndromes febris são inespecíficas, dificultando ainda mais o diagnóstico.

Dessa forma, a sistematização do atendimento é essencial para evitar deixar passar despercebido causas graves e possibilitar o diagnóstico mais preciso. Seguem abaixo algumas dicas para auxiliar nesse processo:

1) Buscar sinais de sepse

A Sepse é a principal causa de morte em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) não cardiológicas e ocorrem cerca de 20 milhões de casos anualmente em todo o mundo sendo que, no Brasil, ocorrem cerca de 600 mil novos casos por ano.

Os sinais de sepse devem ser buscados precocemente, pois o atraso no início da antibioticoterapia nesses casos está associado a aumento de mortalidade. Veja no gráfico abaixo que a taxa de sobrevivência de pacientes com sepse e hipotensão é de cerca de 80% quando o antibiótico é iniciado na primeira hora e cai para 50% após a quarta hora. 

Dessa forma, a recomendação do último guideline Surviving Sepsis Campaign é de que a antibioticoterapia seja iniciada na primeira hora diante da suspeita de sepse.

O atendimento sistematizado do paciente grave facilita a identificação da sepse. Pode-se utilizar o ABCDE para isso. Foi descrito como realizá-lo no post: Como identificar e fazer a abordagem inicial do paciente grave.

Também podem ser utilizados escores para rastreio, como o quick SOFA, SIRS, MEWS e NEWS. Para a confirmação de sepse, a recomendação atual é que se utilize o escore SOFA

Para mais informações sobre Sepse, acesse nossos textos: Como reconhecer um paciente séptico? e Sepse – clínica e manejo.

2) Buscar sinais de alerta para doenças potencialmente graves

Mesmo na ausência de sepse, algumas doenças infectocontagiosas demandam tratamento imediato para a melhora do prognóstico. Dentre elas, pode-se destacar a meningite.

A tríade clássica da meningite é descrita como febre, rigidez de nuca e alteração do estado mental. Porém, esses achados aparecem em conjunto em menos de 50% dos casos.

Os quatro sintomas mais comuns são cefaleia, febre, rigidez de nuca e alteração de estado mental. Pelo menos 2 deles estão presentes em cerca de 95% dos casos. Dessa forma, diante de Síndromes Febris na emergência, mesmo na ausência de cefaleia, deve ser buscada a presença de rigidez de nuca em todos os casos, pois deixar passar despercebido um caso de meningite pode levar a um desfecho fatal.

Para informações sobre a técnica de punção lombar e sua associação ao quadro de meningite, leia nosso texto: Punção lombar: Indicações, contraindicações, técnica e complicações.

No curso PROCEM o aluno tem a oportunidade de praticar a realização da punção lombar e outros procedimentos comuns na emergência em em manequins de alta fidelidade.

Outros sinais que devem ser buscados são de doenças de tratamento cirúrgico, como abdome agudo e presença de focos mantidos que devem ser drenados, como abcessos.

Para mais detalhes sobre abdome aguda na emergência, leia nosso texto: Dor abdominal no pronto atendimento.

3)  Buscar a epidemiologia do paciente

Existe um subgrupo de doenças infectocontagiosas chamado de Febres Hemorrágicas. As febres hemorrágicas incluem síndromes que variam da doença hemorrágica febril, com fragilidade capilar, ao choque grave agudo.

Muitas vezes as manifestações clínicas desses quadros não possibilita o diagnóstico específico. Nesses casos, as informações epidemiológicas são essenciais. Abaixo listamos algumas das informações que podem auxiliar a direcionar o diagnóstico das doenças infectocontagiosas:

  • Dengue: deve ser considerada em pacientes que vivem ou visitaram áreas endêmicas. Os casos se concentram no período chuvoso.
  • Febre amarela: Deve-se estar atento ao histórico vacinal do paciente e buscar se o paciente reside ou visitou área endêmica.
  • Leptospirose:  Relacionada ao contato com água contaminada por urina de ratos (enchentes, limpeza de bueiros ou fossas). Também é comum que ocorra em agricultores e veterinários.
  • Febre maculosa: Mais frequente no período de seca. Deve-se buscar na história o contato com carrapato. Importante lembrar que pode ocorrer mesmo em grandes cidades devido ao contato durante passeios em parques.
  • Febre tifóide: Mais comum em ambientes sem estrutura sanitária adequada. Importante ser lembrada em pacientes que residem ou tenham viajado nesses locais.
  • Malária: A maior parte dos casos no Brasil ocorre na região amazônica, nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
  •  Hantavirose: Menos frequente que as demais.  A infecção se dá pela inalação de aerossóis de excretas (urina, fezes e saliva) de ratos.

Muitas das febres hemorrágicas possuem apenas tratamento suportivo, porém, nos casos de leptospirose, febre maculosa, febre tifóide e malária existe tratamento específico que deve ser iniciado precocemente. 

4) Escolher adequadamente a terapia antibiótica quando necessária

Nem todas as doenças infectocontagiosas e quadros febris devem ser tratados com antibióticos. Deve-se iniciar antibioticoterapia nos casos com infecção bacteriana comprovada (ex. diagnóstico de pneumonia, amigdalite bacteriana, pielonefrite…) ou diante da suspeita de sepse.

Para a escolha da melhor terapia devem ser levado em conta diversos fatores, como a gravidade do quadro, o foco infeccioso, uso recente de antimicrobiano ou internação recente e colonizações conhecidas.

Mais detalhes sobre a escolha de antibioticoterapia são abordados em outro post: 6 passos rumo ao uso apropriado de antibióticos.

Importante lembrar que, sempre que possível os antibióticos devem ser descalonados ou suspensos (caso seja excluída etiologia infectocontagiosa bacteriana). 

5)Solicitar exames complementares adequados conforme suspeita clínica

Os exames complementares devem ser direcionados para a suspeita clínica do paciente. Exames mal indicados podem confundir e dificultar o diagnóstico. Exemplos de indicações inadequadas frequentes são:

  • Coleta de exame de urina em pacientes sem sintomas urinários, que traz como consequência o tratamento inadequado de bacteriúria assintomática (indicado apenas para gestantes e pacientes que irão ser submetidos a procedimentos urológicos);

Para maiores detalhes sobre infecções do trato urinário, acesse nosso texto: Manifestações gerais das Infecções do Trato Urinário.

  • Realização de radiografia de seios da face: Não está indicada realização de exame de imagem em pacientes com clínica de sinusite não complicada. Além disso a radiografia de seios da face possui baixa acurácia para o diagnóstico de sinusite, não justificando seu uso.

Nos quadros de sepse devem ser solicitadas hemoculturas. As demais culturas devem ser solicitadas conforme suspeita clínica.

Nos casos das febres hemorrágicas é importante realizar a notificação (nos casos indicados) e solicitar as sorologias e demais exames específicos. 

Referências

1 – Rhodes A et al. Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Sepsis and Septic Shock: 2016. Crit Care Med. 2017 Mar;45(3):486-552. doi: 10.1097/CCM.0000000000002255.

2 – Kumar, A et al. Duration of hypotension before initiation of effective antimicrobial therapy is the critical determinant of survival in human septic shock. Critical Care Medicine: June 2006 – Volume 34 – Issue 6 – p 1589-1596. doi: 10.1097/01.CCM.0000217961.75225.E9.

3 – Tunkel AR et al. Clinical features and diagnosis of acute bacterial meningitis in adults. Uptodate. 2019.

4 – MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Superintendência de Epidemiologia. Diretoria de Vigilância Epidemiológica . Protocolos de febres hemorrágicas. Belo Horizonte, 2012. 78p

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