Dor abdominal no pronto atendimento

A dor abdominal é um diagnóstico um tanto quanto desafiador no departamento de emergência, por existir uma linha muito tênue entre a abordagem emergencial e ambulatorial. A anamnese completa e o exame físico direcionado, somados a exames complementares, quando bem indicados, auxiliam no diagnóstico bem definido e reduzem a possibilidade de alta hospitalar inadequada. 

Alguns estudos mostram que cerca de 35 a 41% das admissões [1] no pronto atendimento, dentre os pacientes que se apresentam com queixa abdominal, são classificadas como dor abdominal inespecífica, o que demonstra a importância do exame clínico bem feito.

Principais patologias relacionadas a dor abdominal aguda

Dentre as possíveis causas de dor abdominal, é imprescindível descartar aquelas que exigem uma abordagem emergencial, cirúrgica ou não, das que podem ser manejadas ambulatorialmente. Para tanto, há alguns sinais de alerta a serem observados: alteração dos sinais vitais, sinais de peritonite e sinais que indiquem etiologias ameaçadoras de vida, como isquemia mesentérica aguda, por exemplo. No quadro abaixo, pode-se verificar as principais etiologias de dor abdominal no contexto da emergência:

Anamnese

O detalhamento da dor é de suma importância para determinar se o paciente pode ser liberado do pronto atendimento com segurança. Alguns aspectos devem ser observados, como:

  1. Evolução: algias de característica crônica, com evolução de meses a anos, são um indicativo de que o paciente pode ser manejado ambulatorialmente. Dores abruptas merecem mais atenção.
  1. Localização e irradiação: determinar o quadrante acometido auxilia na busca etiológica da doença e na conduta médica. Um exemplo disso são dores do quadrante superior direito, que quase sempre estão relacionadas a patologias biliares.
  1. Duração e frequência;
  2. Qualidade: Em queimação, pontada, pulsátil, cólica;
  1. Severidade: é preciso estar em alerta se a dor descrita incapacita o paciente de realizar atividades de vida diárias, especialmente quando são de característica aguda.
  1. Fatores desencadeantes e paliativos: um exemplo prático que demonstra a importância de questionar o paciente sobre fatores que melhoram ou pioram sua dor, é a úlcera duodenal, que melhora após a ingestão de alimentos.

Além disso, é importante perguntar ao paciente se ele já teve episódios de queixas similares, seu passado patológico e cirurgias prévias, além dos aspectos que podem se correlacionar à dor. As medicações em uso, como anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), podem dar uma pista diagnóstica. O uso de álcool corrobora com a suspeita de patologias hepáticas e pancreáticas. Já o histórico de viagens recentes pode auxiliar no diagnóstico de uma gastroenterite, por exemplo. 

Para mais informações sobre a dor abdominal relacionada à pancreatite, leia nosso texto: Manifestações clínicas, diagnóstico e manejo da pancreatite aguda.  

Por fim, mas não menos importante, é de extrema importância saber quais sintomas se associam à queixa abdominal, sejam eles gastrointestinais, geniturinários, constitucionais, cardíacos ou pulmonares. Em mulheres na idade fértil, deve-se perguntar especificamente sobre dismenorreia, dispareunia, infecções sexuais transmissíveis, passado de múltiplos parceiros sexuais e se há a possibilidade de gravidez. Caso a resposta para a última pergunta seja negativa, ainda sim é necessário realizar a prova sanguínea pela dosagem de B-HCG.

Exame Físico

A aferição de sinais vitais corrobora para definição do tratamento ambulatorial ou emergencial, uma vez que, se alterados, a abordagem deve ser imediata. Pacientes com baixa saturação levantam a suspeita de etiologias pulmonares para a dor abdominal, já a febre corrobora com suspeitas infecciosas. Em seguida, parte-se para a avaliação abdominal geral:

O estado geral do paciente pode ser uma fonte de importantes pistas diagnósticas: se este assume uma posição imóvel/rígida em decúbito dorsal e com joelhos dobrados, nos leva a pensar em um quadro de peritonite. Já um paciente inquieto, levanta suspeitas de um quadro de cólica renal.  

Para mais informações sobre cólica renal na emergência, leia nosso texto: Diagnóstico e manejo da nefrolitíase na emergência.

Na palpação, é importante localizar a aorta abdominal e averiguar se sua pulsação está fisiológica ou não, a fim de descartar um aneurisma de aorta, por exemplo.

Para mais detalhes sobre a investigação de aneurisma de aorta, leia nosso texto: Aneurisma de aorta abdominal: diagnóstico, manejo e tratamento cirúrgico. 

Os exames abdominais específicos se referem a manobras realizadas para diagnosticar ou descartar patologias específicas, como apendicite e ascite, avaliadas, por exemplo, por meio dos sinais de obturador e do piparote, respectivamente. A avaliação da colecistite conta com o sinal de Murphy e de peritonite com a descompressão súbita abdominal, exceto na região de McBurney, que avalia apendicite. 

Para mais detalhes sobre o diagnóstico diferencial de apendicite, acesse nosso texto: Apendicite Aguda – Diagnóstico e Manejo.

Exames Complementares

Em se tratando de ambiente de emergência, temos disponíveis uma gama de exames laboratoriais e até mesmo de imagem, que podem ser solicitados para confirmação de suspeita diagnóstica ou até mesmo para melhor esclarecimento do quadro álgico. 

Exames Laboratoriais

Além da análise de B-HCG, já mencionada, deve-se realizar a glicemia capilar de pacientes diabéticos e, se alterada, a dosagem sérica de eletrólitos é de extrema importância para averiguar a possibilidade de cetoacidose cursando com dor abdominal. 

O hemograma completo também deve ser solicitado. Outros marcadores podem ser solicitados de acordo com a queixa e localização da dor abdominal, como enzimas hepáticas e/ou pancreáticas

A análise de urina pode ser útil, mas também pode confundir o médico assistente, à medida que vários dos marcadores não são patognomônicos. Contudo, é interessante observar, por exemplo, que grande parte dos pacientes com aneurisma de aorta abdominal têm hematúria presente.

Exames de Imagem
  • Radiografia simples de tórax e abdome: indicada na suspeita de obstrução e perfuração intestinal, bem como na identificação de corpo estranho.
  • Ultrassonografia: O ultrassom à beira leito tem sido cada vez mais utilizado e é o exame de escolha para pacientes grávidas, uma vez que não é feito por meio de radiações ionizantes. Normalmente é o primeiro exame de imagem a ser solicitado para investigação de dor abdominal.
  • Tomografia computadorizada de abdome: solicitada, principalmente, para dores abdominais inespecíficas. Pode ser aplicada, também, a pacientes com suspeita de aneurisma aórtico abdominal que se encontram em condições estáveis. O uso de contrastes é particularmente indicado em suspeita de sangramentos, salvo se houver contraindicações. 

Avaliação da gravidade

Outro aspecto importante de ser avaliado no paciente com dor abdominal no pronto atendimento é a presença de sinais de alarme relacionados a quadros graves. Por isso a importância de sistematizar o atendimento e a avaliação na emergência, com a finalidade de minimizar as chances de que informações relevantes sejam negligenciadas e para que quadros ameaçadores à vida sejam revertidos o quanto antes. 

Para mais detalhes sobre o atendimento sistematizado na emergência, leia nosso texto: Como identificar e fazer a abordagem inicial do paciente grave.

Neste contexto, alguns aspectos do quadro clínico, exame físico e característica da dor devem despertar a atenção. Observe a listagem abaixo: 

  1. Anamnese
  • Imunocomprometidos; 
  • Idosos (> 65 anos); 
  • Mulheres em idade fértil/gestantes;
  • Procedimento abdominal prévio (cirurgias ou manipulações);
  • Comorbidades graves (câncer, doença inflamatória intestinal, doença diverticular);
  • Alcoolismo e tabagismo. 
  1. Exame físico
  • Alteração do nível de consciência; 
  • Sinais de choque; 
  • Defesa involuntária à palpação abdominal; 
  • Rigidez abdominal. 
  1. Características da dor abdominal: 
  • Apresentação abrupta; 
  • Apresentação lancinante; 
  • Dor constante; 
Referências

1 – Kendall JL, Moreira ME.Evaluation of the adult with abdominal pain in the Emergency Department. UptoDate, Dezembro de 2020.

2 – Penner RM, Fishman MB. Evaluation of the adult with abdominal pain. UptoDate, Maio de 2021.


3 – Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD.  Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020

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