Como reconhecer o infarto agudo do miocárdio?

Quando se fala em infarto agudo do miocárdio imediatamente se imagina um indivíduo com dor de forte intensidade no peito. Porém, é importante saber que até 40% dos pacientes podem se apresentar sem dor, dificultando o diagnóstico. As apresentações atípicas ocorrem principalmente em idosos, diabéticos e mulheres. O objetivo desse texto é demonstrar como caracterizar a dor torácica e como classificar os diferentes cenários da síndrome coronariana aguda.

infarto agudo do miocárdio
Figura 1: Sinal de Levine – caracterizado por exibição de mão fechada em movimentos circulares sobre o tórax, considerado uma expressão corporal típica de pacientes com infarto agudo do miocárdio.

Caracterização da dor torácica

Durante o atendimento na emergência deve ser feita anamnese e exame físico direcionados para a queixa do paciente. Nos casos de dor torácica deve ser questionado ao paciente algumas características da dor:

  • Tipo de dor (pontada, opressão, queimação…);
  • Duração;
  •  Localização;
  •  Irradiação;
  •  Intensidade;
  •  Fatores que pioram ou melhoram os sintomas;
  • Contexto em que a dor se iniciou (repouso, atividade física…).

A dor torácica típica de infarto agudo do miocárdio (IAM) ocorre em opressão ou queimação, possui forte intensidade, dura mais de 10 minutos e pode irradiar para os membros e mandíbula. Vale ressaltar que a irradiação para ambos os braços aumenta mais a probabilidade de se tratar de um infarto agudo do miocárdio que a dor que irradia apenas para o membro superior esquerdo, conforme demonstrado em revisão publicada no JAMA [1]

A dor torácica pode ser acompanhada de equivalentes anginosos, como náuseas, vômitos e diaforese.

Vale ressaltar que até 40% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio podem não apresentar dor. Algumas das manifestações possíveis nesses casos são:

  • Náuseas e vômitos;
  •  Diaforese;
  • Choque cardiogênico;
  • Taquicardia ventricular;
  • Parada cardiorrespiratória. 

Existem alguns achados da história clínica que podem reduzir a probabilidade de infarto agudo do miocárdio e sugerir diagnósticos alternativos. São eles: 

  • Dor pleurítica;
  • Dor em pontada ou fincada;
  • Dor que se altera com a mudança de posição;
  • Dor reproduzida a palpação. 

No exame físico podem ser encontrados alguns achados de comprometimento cardiovascular, como: 

  • Terceira bulha;
  • Quarta bulha;
  • Hipotensão;
  • Perfusão capilar lentificada;
  • Aumento da pulsação venosa jugular. 

Também devem ser buscados na história do paciente os fatores de risco para infarto agudo do miocárdio: 

  • Tabagismo;
  • Hipertensão arterial;
  • Diabetes;
  • Dislipidemia;
  • Obesidade;
  • Doença arterial periférica;
  • Infarto agudo do miocárdio prévio;
  • Acidente vascular encefálico (AVE) prévio;
  • História familiar de infarto agudo do miocárdio ou AVE.

Após realizada essa avaliação inicial, a dor do paciente deve ser classificada em: 

  •  Definitivamente anginosa;
  • Provavelmente anginosa;
  • Possivelmente anginosa;
  • Definitivamente não anginosa.

Nos dois primeiros casos o diagnóstico de Síndrome Coronariana Aguda (SCA) está feito e deve-se seguir com a classificação e tratamento. No caso da dor possivelmente anginosa, devem ser solicitados eletrocardiograma, marcadores de necrose miocárdica e outros exames em busca de diagnósticos alternativos para a definição do tratamento. Existem protocolos de exclusão rápida de síndrome coronariana aguda com o uso da troponina ultrassensível que podem auxiliar no manejo desses pacientes. Esses protocolos podem ser consultados no guideline da Sociedade Europeia de Cardiologia e da American Heart Association.  

Nos casos de dor definitivamente não anginosa o paciente deve ser manejado conforme o diagnóstico específico.

A tomada de decisão na emergência no contexto da dor torácica é tarefa difícil. A judicialização da medicina tem aumentado o número de admissões por suspeita de SCA por receio dos médicos de deixar passar despercebido um quadro de infarto agudo do miocárdio. Essa conduta aumenta os custos e tempo de permanência no pronto atendimento. É inevitável que alguns casos de SCA recebam alta de maneira inapropriada. Idealmente, essa taxa deve ser menor do que 1%. O uso de protocolos validados para a exclusão ou confirmação de SCA como os recomendados acima podem ajudar a atingir esse objetivo.

Para mais informações sobre a caracterização da dor na síndrome coronariana aguda, acesse nosso texto: Aprenda a identificar a síndrome coronariana aguda.

Classificação da Síndrome Coronariana Aguda

Pelo exposto acima, vê-se que o diagnóstico de Síndrome Coronariana Aguda (SCA) é eminentemente clínico. Caso a apresentação clínica do paciente sugira um quadro de isquemia do miocárdio, está definido que estamos diante de um quadro de síndrome coronariana aguda.

eletrocardiograma e os marcadores de necrose miocárdica são essenciais nesse momento para a classificação da síndrome coronariana aguda.

O eletrocardiograma deve ser realizado preferencialmente nos primeiros 10 minutos e pode conter os seguintes achados: 

  • Supradesnivelamento do segmento ST;
  •  bloqueio de ramo esquerdo (BRE) novo;
  • Infradesnivelamento do segmento ST;
  • Inversão de onda T;
  • ECG normal ou com alterações inespecíficas.

Para mais detalhes sobre o ECG na identificação de SCA sem supra de ST, acesse nosso texto: Identificando a SCA sem supradesnivelamente do segumento ST.

Caso o eletrocardiograma demonstre supradesnivelamento de ST ou um BRE novo, está feito o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio com supra de ST e NÃO é necessário aguardar o resultado dos marcadores de necrose miocárdica para iniciar a terapia de reperfusão.

Na presença dos demais achados, fica caracterizada a SCA sem supra de ST, que pode ser dividida em infarto agudo do miocárdio sem supra de ST e angina instável conforme o resultado dos marcadores de necrose miocárdica. 

Para a definição de supradesnivelamento do segmento ST essa alteração deve ocorrer em pelo menos 2 derivações contíguas e ter mais de 1 mm. Sendo que, nas derivações V2 e V3 o supradesnivelamento deve ter mais de 2 mm em homens e 1,5 mm em mulheres.

O BRE novo pode ser definido ao se comparar com um eletrocardiograma anterior do paciente. Na ausência de ECG prévio, podem ser utilizados os critérios de Sgarbossa: 

  • Elevação de ST  1 mm com onda T positiva concordante (R dominante e ST elevado) nas derivações esquerdas (5 pontos);
  • Elevação de ST  5 mm com onda T discordante (S dominante e ST elevado) (2 pontos);
  • Infradesnivelamento de ST  1 mm em V1, V2 ou V3 (3 pontos). 

Pontuação maior ou igual a 3 pontos sugere o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio

Em relação aos marcadores de necrose miocárdica deve ser dado preferência ao uso da troponina quantitativa. Em serviços que tenham troponina quantitativa disponível, o uso da enzima cratina quinase – MB (CKMB) não é recomendado. A CKMB só deve ser utilizada nos casos de indisponibilidade da troponina quantitativa. 

Para mais informações sobre marcadores do miocárdio, acesse nosso texto: Troponina aumentada é sinônimo de Infarto Agudo do Miocárdio?

O fluxograma abaixo demonstra a classificação da SCA conforme os achados do ECG e marcadores de necrose miocárdica:

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Figura 2: Desenho esquemático da classificação da Síndrome Coronariana Aguda (SCA).

Essa classificação é de grande importância, pois o manejo do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST é diferente do manejo do infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e da angina instável. As questões relacionadas ao tratamento do infarto agudo do miocárdio são discutidas no curso ACLS.

Referências

1- Fanaroff AC et al. Does This Patient With Chest Pain Have Acute Coronary Syndrome?: The Rational Clinical Examination Systematic Review. JAMA. 2015;314(18):1955-1965. doi:10.1001/jama.2015.12735.

2- Amsterdam EA et al. 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients with Non-ST-Elevation Acute Coronary Syndromes: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014 Dec 23;64(24):e139-e228. doi: 10.1016/j.jacc.2014.09.017. Epub 2014 Sep 23.

3 – Roffi M et al. 2015 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST-segment elevation: Task Force for the Management of Acute Coronary Syndromes in Patients Presenting without Persistent ST-Segment Elevation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2016;37:267–315. doi: 10.1093/eurheartj/ehv320.

4- Morrow DA. Clinician’s Guide to Early Rule-Out Strategies With High-Sensitivity Cardiac Troponin. Circulation. 2017 Apr 25;135(17):1612-1616. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.117.026717.

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