Bloqueio neuromuscular na SARA: usar ou não usar? Eis a questão!

Com base em extrapolação de estudos direcionados para Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), o uso do bloqueio neuromuscular pode ser considerado em pacientes com COVID-19 e fenótipo H. O possível benefício do bloqueador neuromuscular em pacientes com SARA foi evidenciado no trial ACURASYS (2010).  

População 
Nesse estudo foram incluídos pacientes com SARA e: PaO2/FiO2 < 150  < 48 horas do diagnóstico de SARA 
Intervenções 
As seguintes intervenções foram comparadas: Sedação profunda  Sedação profunda associada a bloqueio neuromuscular com cisatracúrio por 48 horas 
Desfecho 
O resultado foi inesperado, com redução da mortalidade em pacientes alocados no protocolo de sedação associada a bloqueio neuromuscular.   

Algumas hipóteses foram levantadas para explicar tal achado: 

  • O bloqueio neuromuscular evitaria VILI (Ventilator-Induced Lung Injury); 
  • O Cisatracúrio seria capaz de mitigar a inflamação pulmonar.

No entanto, o uso do bloqueio neuromuscular no paciente crítico sempre gerou preocupações em relação a piora da fraqueza muscular e aumento do tempo de ventilação mecânica. Ademais, quase uma década depois do trial, as indicações de sedação profunda em medicina intensiva se tornaram raras

Com isso, o trial ROSE (2019) se propôs a comparar, na mesma população, as seguintes intervenções: 

Intervenções 
Sedação profunda associada a bloqueio neuromuscular com Cisatracúrio por 48 horas Terapia habitual: sedação leve, sem uso rotineiro de bloqueador neuromuscular  
Desfecho 
O estudo foi interrompido por futilidade, sem diferença de mortalidade entre os grupos  

Como explicar resultados tão diferentes em trials considerados bem delineados e conduzidos? 

A resposta parece estar na sedação.  Em pacientes profundamente sedados podem ocorrer assincronias extremamente deletérias, com destaque para o disparo reverso. 

Assincronia de disparo reverso 
Um ciclo disparado pelo ventilador causa uma contração diafragmática involuntária, que leva a um novo disparo Esse segundo disparo ocorre antes da expiração completa, levando a um aumento do volume corrente (um dos principais responsáveis pela VILI)  
* Sua incidência aumenta conforme se aprofunda a sedação  

No trial ACURASYS é possível que o bloqueador neuromuscular tenha protegido os pacientes profundamente sedados do disparo reverso, levando a redução da VILI e da mortalidade.  

Quando, então, é racional usar o bloqueio neuromuscular? 

SARA com PaO2/FiO2 < 150 
< 48 horas do diagnóstico 
E presença assincronias que predisponham a VILI (ex.: duplo disparo, disparo reverso), a despeito de:  Parâmetros ventilatórios adequados + sedação progressiva  
Referências

1 – Papazian L, Forel JM, Gacouin A, Penot-Ragon C, Perrin G, Loundou A, Jaber S, Arnal JM, Perez D, Seghboyan JM, Constantin JM, Courant P, Lefrant JY, Guérin C, Prat G, Morange S, Roch A; ACURASYS Study Investigators. Neuromuscular blockers in early acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med. 2010 Sep 16;363(12):1107-16. doi: 10.1056/NEJMoa1005372.

2 – National Heart, Lung, and Blood Institute PETAL Clinical Trials Network, Moss M, Huang DT, Brower RG, Ferguson ND, Ginde AA, Gong MN, Grissom CK, Gundel S, Hayden D, Hite RD, Hou PC, Hough CL, Iwashyna TJ, Khan A, Liu KD, Talmor D, Thompson BT, Ulysse CA, Yealy DM, Angus DC. Early Neuromuscular Blockade in the Acute Respiratory Distress Syndrome. N Engl J Med. 2019 May 23;380(21):1997-2008. doi: 10.1056/NEJMoa1901686.

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