A punção lombar é um procedimento médico de grande importância na emergência. Possui utilidade diagnóstica e terapêutica. A primeira punção lombar foi realizada por Quincke, em 1891. A segurança e a simplicidade da técnica ampliaram seu uso na prática clínica.
Indicações
As indicações de punção lombar podem ser divididas em diagnósticas e terapêuticas.
1. Indicações Diagnósticas
Na suspeita de:
• Hemorragia subaracnóidea em paciente com tomografia computadorizada (TC) de crânio sem evidência de sangramento;
• Carcinomatose meníngea;
• Síndrome de Guillain-Barré;
• Esclerose múltipla;
• Síndromes paraneoplásicas;
• Vasculite de sistema nervoso central;
Vale ressaltar que a principal indicação para realização de punção lombar é a suspeita de meningite. Nesses casos, é incomum que seja necessária a realização de tomografia antes da punção lombar, uma vez que o atraso na punção lombar para realizar tomografia está associado a maior mortalidade.
As principais indicações de tomografia, antes da punção lombar, na suspeita de meningite são:
• Pacientes imunossuprimidos (ex.: HIV, pacientes transplantados…);
• História de lesão de sistema nervoso central (ex.: tumor, acidente vascular encefálico ou abscesso);
• Crises convulsivas de início recente;
• Papiledema;
• Rebaixamento do sensório;
• Déficit neurológico focal.
2. Indicações Terapêuticas
• Anestesia para procedimentos;
• Administração intratecal de antibióticos ou quimioterápicos;
• Alívio de pressão intracraniana (ex.: neurocriptococose);
Contraindicações
Não existem contraindicações absolutas à realização da punção lombar. As principais situações em que a punção lombar deve ser evitada são:
• Lesão expansiva intracraniana com efeito de massa;
• Suspeita de elevação de pressão intracraniana (rebaixamento do sensório e papiledema);
• Plaquetopenia (contagem menor que 50.000 a 80.000/mm3), discrasia sanguínea ou uso de anticoagulantes;
• Infecção no sítio de punção;
Técnica da punção lombar
1. Referências anatômicas e posicionamento do paciente
A punção lombar pode ser realizada com o paciente sentado, em decúbito ventral ou decúbito lateral. Geralmente, o procedimento é realizado em decúbito lateral, para permitir uma medida mais acurada da pressão de abertura.
O paciente deve ser posicionado em decúbito lateral em posição fetal (pescoço, coluna e quadril fletidos), como ilustrado na figura 1B, para aumentar a taxa de sucesso no procedimento. O tronco do paciente deve estar perpendicular a cama (evitar que o tronco esteja inclinado).
O local de inserção da agulha de punção é mais facilmente determinado com o paciente sentado. Deve-se identificar o ponto mais elevado das cristas ilíacas e traçar uma linha entre esses pontos. Essa linha tende a cruzar a 4a vertebra lombar. Porém, pode variar desde L1 a L5, tendendo a ser um corpo vertebral mais alto em mulheres e obesos. Dessa forma, é importante a palpação dos demais corpos vertebrais para determinar o melhor sítio de inserção da agulha. A punção pode ser realizada com segurança nos espaços intervertebrais L3/L4 ou L4/L5, pois esses espaços estão abaixo do término da medula espinhal.
2. Materiais necessários para o procedimento
• Agulha para punção espinhal com estilete 20 ou 22 gauge;
• Agulha 25 x 0,7 mm (22 gauge) ou 25 x 0,8 mm (21 gauge) e seringa para anestesia;
• Lidocaína 1 ou 2% sem vasoconstritor;
• Frascos estéreis para coleta do líquor;
• Conector three-way e manômetro para realização de medida da pressão de abertura;
• Solução para degermação (clorexidina ou solução iodada);
• Solução para antissepsia (alcoólica);
• Luvas estéreis, campos estéreis e equipamentos de proteção individual (máscara e óculos);
• Material para curativo.
3. Passo a passo
3.1) Localizar o espaço intervertebral L3/L4 ou L4/L5, conforme descrito anteriormente.
3.2) Posicionar o paciente em decúbito lateral em posição fetal.
3.3) Realizar degermação da pele com ou solução iodada e esperar a solução secar, antes da realização do procedimento.
3.4) Posicionar os campos estéreis em torno do sítio de punção.
3.5) Realizar anestesia local no espaço intervertebral localizado previamente com lidocaína sem vasoconstritor.
3.6) Realizar punção com agulha própria para punção lombar 20 ou 22 gauge (agulha com estilete)
3.7) Introduzir a agulha imediatamente acima do corpo vertebral inferior, com direção cefálica (em direção a cicatriz umbilical).
3.8) O bisel deve ser posicionado em direção ao flanco do paciente para reduzir o trauma no saco dural.
3.9) A distância entre a pele e o espaço epidural é de cerca de 4,5-5 cm.
3.10) A agulha deve ser inserida gradualmente até que se tenha a sensação de que foi vencida uma resistência maior (ligamento amarelo).
3.11) Parar de introduzir a agulha e retirar o estilete para verificar se houve saída de líquor. Caso não ocorra, reintroduzir o estilete e prosseguir gradualmente com introdução e parada para verificação de saída de líquor.
3.12) Realizar a medida da pressão de abertura utilizando um manômetro e um conector three-way.
3.13) Coletar o líquor para análise. A quantidade de frascos varia com a hipótese diagnóstica (pelo menos 2 frascos). Geralmente, 3 mL de líquor por frasco são suficientes. Até 40 mL de líquor podem ser retirados com segurança. Não deve ser realizada aspiração do líquor.
3.14) Em seguida, o estilete deve ser reintroduzido na agulha e a agulha retirada.
3.15) Realizar curativo oclusivo no sítio de punção.
Complicações
A punção lombar é um procedimento simples e seguro. As principais complicações são:
1. Cefaleia pós-punção
Ocorre em até 30% dos pacientes. Geralmente tem início de 24-48 horas após o procedimento, em região frontal ou occipital e piora quando o paciente se levanta. Pode estar associada a náuseas, vômitos, vertigem e zumbido. Geralmente é leve e autolimitada. Em casos mais graves ou refratários, pode ser realizado um tampão sanguíneo epidural.
2. Infecções
A meningite pós-punção é uma complicação incomum. Nos casos de punção lombar diagnóstica, sua ocorrência é ainda mais rara. A meningite, bem como outras infecções, pode ser prevenida com uma técnica de degermação adequada, uso de materiais estéreis e uso de máscara facial pelo médico que realizará o procedimento. Outras complicações infecciosas como espondilodiscite são raras.
3. Sangramento
Sangramentos graves com comprometimento da medula são raros e podem ser evitados por meio da avaliação do risco de sangramento prévio aos procedimentos. Deve-se considerar transfusão de plaquetas em pacientes com contagem de plaquetas inferiores a 50.000-80.000/mm³.
Em pacientes em uso de anticoagulantes ou com RNI superior a 1,4, deve-se considerar a correção ou suspensão dos medicamentos antes da realização da punção. O uso de aspirina não parece estar associado ao aumento do risco de sangramento pós-punção lombar.
4. Herniação cerebral
A complicação mais temida da punção lombar é a herniação cerebral. O risco de herniação deve ser avaliado antes da realização do procedimento e a TC de crânio deve ser realizada previamente nos casos descritos no item “Contraindicações”
5. Dor lombar, dor radicular e parestesias
Até um terço dos pacientes queixam de dor lombar leve autolimitada no sítio de punção após o procedimento. Sintomas radiculares podem acontecer em até 15% dos casos. Eles persistem por alguns dias e é raro que se tornem crônicos.
6. Tumores epidermoides
São raros e podem surgir anos após a realização da punção lombar. A maior parte dos casos foi relatada em crianças. Essa complicação parece ser evitada com o uso de agulhas espinhais com estilete.
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REFERÊNCIAS
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