O que é?
O coma mixedematoso é uma emergência endocrinológica rara, mas potencialmente fatal, causada por uma exacerbação dos sintomas do hipotireoidismo, que cursa com a interrupção da homeostase corporal por diferentes mecanismos, que envolvem papel fisiológico dos hormônios tireoideanos. Por esse motivo, é interessante recapitular a função destes hormônios.
Entendendo a fisiopatologia
Função dos Hormônios Tireoideanos
A tiroxina (T4) é o resultado final do processo de produção hormonal da tireóide e tem pouca função hormonal no organismo. Contudo, este hormônio pode ser convertido em triiodotironina (T3) na maior parte dos tecidos do corpo humano. Este, por sua vez, têm um papel ativo e fundamental na homeostase corporal, como pode ser conferido na tabela a seguir:
Portanto, quando o paciente está em um quadro de coma mixedematoso, essas funções tendem a se alterar, o que irá corroborar para o diagnóstico. As alterações respiratórias, por exemplo, advém da redução da responsividade à hipóxia e hipercapnia devido à depressão central, o que pode gerar um quadro de acidose respiratória. Já as cardiovasculares são mediadas pela perda da capacidade adaptativa do vaso sanguíneo, o que leva à perda da vasoconstrição periférica alfa mediada e, consequentemente, à hipotensão. Além disso, ocorre bradicardia por redução da contratilidade miocárdica e do baixo débito cardíaco.
Os sintomas neurológicos perpassam pela sonolência, desorientação e queda do estado geral do paciente. A hipotermia pode ser explicada devido à redução acentuada do metabolismo. Por fim, ressalta-se aqui a hiponatremia como distúrbio hidroeletrolítico presente em mais da metade desses pacientes, resultante de uma alteração hipofisária que cursa com síndrome inapropriada do hormônio antidiurético (SIAHD).
O que pode desencadear esse estado clínico?
Para chegar ao estágio de coma mixedematoso, é importante ressaltar que o paciente já possuía uma patologia tireoidiana prévia, seja ela primária ou secundária. Idosos acima de 60 anos e a exposição a um frio intenso constituem fatores de risco importantes. Além disso, alguns fatores como a má adesão ao tratamento de reposição de T3, infecções, cirurgias ou traumas (ex. fratura de brase de crânio) podem desencadear o quadro.
Como se dá o diagnóstico na emergência?
O diagnóstico do coma mixedematoso é essencialmente clínico, mas exames laboratoriais são importantes para a confirmação da patologia. A condição deve ser investigada em indivíduos que apresentarem coma ou rebaixamento do sensório associado à hipotermia, hiponatremia e/ou hipercapnia.
O paciente pode apresentar uma tríade importante: fator desencadeante, alteração neurológica e hipotermia. Além disso, algumas características de pacientes com hipotirieoidismo podem ser eventualmente observadas, como cabelos e pele secos e macroglossia.
No que diz respeito aos exames complementares, o T4 em geral estará baixo e o hormônio tireoestimulante (TSH) alto, devido ao mecanismo de feedback negativo do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide. Contudo, caso o paciente apresente alterações hipofisárias, é possível que hormônios como liberador de tireotrofina (TRH) e TSH estejam em baixos níveis, acompanhando T3 e T4. Pode haver elevação de LDH, LDL e redução do cortisol.
Uma vez suspeitado o diagnóstico, o tratamento deve ser iniciado, sem aguardar o resultado dos exames laboratoriais.
Como se dá o tratamento?
O tratamento deve ser instituído de forma rápida e agressiva nas primeiras 48 horas, tão logo haja suspeita diagnóstica de coma mixedematoso, sendo o paciente internado em um leito de terapia intensiva. Há 3 pilares principais:
- Reposição de T4;
- Medidas de suporte clínico, incluindo via aérea avançada (seguindo diretrizes do ACLS);
- Manejo de complicações associadas;
A reposição de hormônio tireoidiano T4 é feita preferencialmente por via endovenosa, em dose de ataque de 300 a 500 µg. A fase de manutenção deve ser feita com uma dose menor: 50 a 100 µg por dia, até que seja possível por via oral. O T3 só é reposto concomitantemente se houver doença grave associada, como rebaixamento importante do nível de consciência e choque cardiogênico.
Pode ser necessário repor corticoides, a depender do nível sérico de cortisol. Isso é feito por meio de uma dose de ataque de 300 mg de hidrocortisona em bólus e manutenção de 50 a 100 mg a cada 8 horas por cerca de 7 dias. A redução da dose de reposição se dá à medida que houver melhora da hipotensão. Caso seja necessário, o uso de vasopressores pode acontecer de forma concomitante.
É interessante observar que, no caso de uma hipotermia, é importante aquecer o paciente de forma passiva – por meio de cobertores simples. O aquecimento rápido pode piorar a hipotensão devido à vasodilatação periférica.
A hipoglicemia deve ser manejada de forma usual. Já a hiponatremia grave – definida como níveis séricos de sódio abaixo de 120 mEq/L, é mediada por meio da reposição de eletrólitos por meio de solução salina hipertônica, mantendo cuidado com a sua velocidade de infusão.
Por fim, observa-se que a maior parte dos pacientes sob coma mixedematoso recobra a consciência após 48 horas do tratamento inicial. Dentre os fatores que indicam mau prognóstico, estão: presença de hiponatremia, hipotermia persistente, hipotensão arterial, frequência cardíaca muito baixa (< 44 bpm), idade avançada e septicemia.
Referências
1 – Pós-graduação: Medicina Intensiva de Adulto. Rede de Ensino Terzi, 2021.