Como sistematizar sua prescrição médica em pacientes críticos?

Várias são as dificuldades de se organizar as necessidades diárias de pacientes críticos, seja na Sala de Emergência ou na Unidade de Terapia Intensiva. Além da terapêutica direcionada ao problema que o trouxe ao estado grave, é essencial se lembrar de cuidados como analgesia, dieta, sedação, controle glicêmico, prevenção de ulcera de estresse, entre outras.

Muitas intervenções simultâneas que podem passar despercebidas, mas que são importantes em reduzir mortalidade, morbidade e tempo de internação. Neste sentido, o mnemônico FAST HUG foi criado por Vincent, uma ferramenta rápida e prática para melhorar a assistência de profissionais de saúde.  Posteriormente, algumas adaptações foram propostas por outros autores, como o FAST HUGS BID.

Para melhorar ainda mais essas habilidades, a CUREM oferece o curso CONDUCT, em que o aluno treina prescrição médica completa em diversos cenários específicos. 

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Food 

A má-nutrição no paciente crítico comprovadamente eleva desfechos negativos. Porém, frequentemente este perfil de paciente não apresenta nível de consciência suficiente para proteção de via aérea, padrão respiratório ruim ou então são potenciais candidatos a intervenções cirúrgicas de emergência.  Neste contexto, a dieta pode ocasionar em risco de vômitos, dificuldade de manejo da via aérea e aspiração e, portanto, diante de uma instabilidade é necessário suspensão da dieta e instituição de soroterapia com aporte glicêmico.

Melhorada a instabilidade, devemos considerar uma via de alimentação, se possível a via oral caso tenha condições, ou então a via enteral por meio de sonda gástrica, entérica e alguns casos gastrostomia. Estabelecida um sonda de alimentação, também é possível administrar medicamentos por esta via. Uma outra possibilidade é a nutrição parenteral, reservada para casos específicos de disfunção gastrointestinal importante que contra indique a via enteral. Diariamente, devemos procurar reavaliar as condições do paciente para progressão da via de alimentação, desde que não acarrete riscos.  

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1304623

Analgesia

Pacientes críticos frequentemente são submetidos a procedimentos invasivos e dolorosos, como punção de acessos, punção liquórica, aspiração de via aérea, mobilização no leito entre outros. Nosso paciente pode não ter condições de relatar a dor, então devemos nos ater a sinais diretos como expressão facial e agitação ou sinais indiretos como aumento de pressão arterial e frequência cardíaca.

Para reduzir o desconforto, é sempre necessário prescrever analgésicos, sendo os mais utilizados os medicamentos opioides como Morfina e Fentanil. Devemos ficar atentos com efeitos colaterais como rebaixamento sensório, hipotensão e depressão respiratória. Analgésicos simples como Dipirona e Paracetamol são boas opções para dor leve ou em combinação com os opioides. De uma forma geral, evita-se o uso de AINES devido ao potencial de complicações renais. 

Sedação

Um paciente gravemente enfermo pode se apresentar de diversas formas em relação ao seu estado de alerta. Por um lado, um paciente excessivamente sedado apresenta maior dificuldade no desmame da Ventilação Mecânica, maior atrofia muscular facilitando a Polineuropatia do Doente Crítico e consequentemente maior tempo de internação e reabilitação.  Por outro lado, um paciente muito agitado pode retirar tubo orotraqueal e outras invasões, além do risco de agressão sobre os profissionais de saúde.

Para auxiliar este manejo de forma objetiva, é frequentemente utilizado a Escala de RASS. Para o paciente crítico, objetivamos mantê-lo em RASS -1 a 0, ou seja, calmo, confortável e colaborativo. Devemos nos ater ao fato de que agitação pode estar relacionada a dor ou então ao Delirium Hiperativo, o que demandaria abordagens diferenciadas.

Tromboprofilaxia

O tromboembolismo venoso (TEV), que inclui a trombose venosa profunda e o tromboembolismo pulmonar, é uma complicação frequente em CTI. De uma forma geral, é indicado profilaxia para pacientes considerados dos grupos de alto risco, como imobilização prolongada, doença neoplásica e gravidez. 

Pacientes críticos graves também são considerados grupo de alto risco, portanto a tromboprofilaxia estaria indicada para todos eles durante sua permanência neste setor, desde que este não apresente alto risco de sangramento (ex. hemorragia digestiva alta, sangramento intracraniano). Nesses casos, medidas não farmacológicas como deambulação precoce e compressão pneumática intermitente são indicadas.  

Head Up (cabeceira elevada) 

A cabeceira elevada comprovadamente reduz os riscos de aspiração e Pneumonia associada a Ventilação Mecânica (PAVM) em pacientes críticos, especialmente com elevação maior ou igual a 30º, quando comparado a pacientes a 0º. Elevações de cabeceira entre 30º e 45º foram benéficas na prevenção de aspiração em alguns estudos, principalmente em pacientes que também recebiam alimentação por sonda. 

No entanto, elevações em 45º também estiveram associados a maior risco de úlceras de decúbito, instabilidade hemodinâmica e tromboembolismo pulmonar. Ainda não há consenso sobre o grau de elevação da cabeceira, então considera-se adequado manter entre 30º e 45º.

Ulcer prevention 

As úlceras de stress gastrointestinal são frequentes em pacientes críticos, e estas ocasionam em risco de hemorragia digestiva alta e piores desfechos. A profilaxia é indicada apenas para pacientes de alto risco, já que o que uso desses medicamentos já foi associado a elevadas taxas de Colite pseudomembranosa por Clostridium difficile e pneumonias.  

É indicado profilaxia com IBPs (ex. Omeprazol) ou bloqueadores H2 (ex. Ranitidina) em pacientes em ventilação mecânica, choque séptico ou sepse grave, choque cardiogênico, coagulopatias e história de hemorragia digestiva alta nos últimos 12 meses.  Alguns trabalhos também indicam em pacientes queimados, insuficiência renal aguda, uso de AINES, corticoterapia em doses elevadas, úlcera péptica conhecida e pós-transplante de fígado e rim. A necessidade da profilaxia deve ser reavaliada diariamente e suspensa caso não exista indicação. 

Glicemic control 

As variações glicêmicas são mais frequentes em pacientes diabéticos, no entanto também acontecem em não diabéticos em contexto de estresse metabólico, como por exemplo pós-operatório e trauma. Devemos evitar hipoglicemiantes orais e utilizar Insulina de ação rápida (ex. Insulina Regular) para correções pontuais. Caso mantenha hiperglicemia, considerar Insulina em bomba de infusão contínua ou Insulina de ação prolongada (Ex. NPH).

No paciente crítico, é recomendado manter um controle glicêmico mais permissivo, ou seja glicemia <180. Estudos mostraram que o controle glicêmico intensivo (80 a 110 mg/dL) aumenta o risco de hipoglicemia e não melhora os desfechos. 

FAST HUG (S BID)


Foram feitas adaptações a mnemônico criado por Vincent, com objetivo de melhorar ainda mais a assistência médica em pacientes críticos. 

Spontaneous Breath Trial (S) se refere à tentativa diária de se realizar o Desmame da Ventilação Mecânica, um assunto de suma importância que foi abordado em nosso blog.

Bowel function (B) está relacionado ao funcionamento intestinal, ou seja, às evacuações e eliminação de gases.  A constipação intestinal está relacionado a baixa aceitação alimentar, desconforto e aumento de Delirium, além disso pode ser resultado de condições graves como obstrução intestinal ou íleo paralítico. Por outro lado, pacientes podem ter diarreia decorrente de infecção por Clostridium dificile, sendo que a perda hídrica importante pode levar o paciente a hipovolemia e distúrbios hidro-eletrolíticos graves. 

Indwelling catheters (I), ou seja, reavaliar diariamente a necessidade de manter invasões (ex. acesso central, sonda vesical). Essas invasões podem atuar como porta de entrada para infecção e devem ser retiradas caso não exista necessidade. 

Descalonamento de antibióticos (D) também um importante tópico discutido em nosso Blog e no curso SMART-ATB, que, por meio de sistematização ajuda o aluno a fazer uso racional de antibióticos, sendo o descolamento uma das etapas neste assunto.

REFERÊNCIAS
1) Vincent JL. Give your patient a fast hug (at least) once a day. Crit Care Med. 2005;33(6):1225–1229.
2) Vincent WR, 3rd, Hatton KW. Critically ill patients need “FAST HUGS BID” (an updated mnemonic) Crit Care Med. 2009;37(7):2326–2327.
3) Casaer, M. P., & Van den Berghe, G. (2014). Nutrition in the Acute Phase of Critical Illness. New England Journal of Medicine, 370(13), 1227–1236. 4) Sessler, C. N., & Wilhelm, W. (2008). Analgesia and sedation in the intensive care unit: an overview of the issues. Critical Care, 12(Suppl 3), S1. 
5) Reade, M. C., & Finfer, S. (2014). Sedation and Delirium in the Intensive Care Unit. New England Journal of Medicine, 370(5), 444–454. 
6) Ejaz A, Ahmed MM, Tasleem A, et al. Thromboprophylaxis in Intensive Care Unit Patients: A Literature Review. Cureus. 2018;10(9):e3341. Pub 2018 Sep 21.
7) Metheny, N. A., & Frantz, R. A. (2013). Head-of-Bed Elevation in Critically Ill Patients: A Review. Critical Care Nurse, 33(3), 53–67. 
8) Buendgens, L. (2016). Prevention of stress-related ulcer bleeding at the intensive care unit: Risks and benefits of stress ulcer prophylaxis. World Journal of Critical Care Medicine, 5(1), 57. 
9) Intensive versus Conventional Glucose Control in Critically Ill Patients. (2009). New England Journal of Medicine, 360(13), 1283–1297. 

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