O suporte ventilatório é um recurso utilizado de maneira corriqueira nos hospitais para pacientes com diversas patologias, desde comprometimento pulmonar, cardiovascular, neurológico, cirurgias de grande porte dentre outros. De maneira geral, a interrupção da ventilação mecânica deve ser considerada desde o dia da intubação, embora nem sempre seja possível ser atingida tão precocemente. Idealmente os pacientes em ventilação mecânica devem ser avaliados diariamente com relação à possibilidade de retirada do suporte ventilatório através de checklists que contemplem a existência de condições para a interrupção da ventilação mecânica.
Conceitos
O termo “desmame” refere-se ao processo de transição da ventilação artificial para a espontânea naqueles pacientes que fizeram uso deste recurso por mais de 24 horas. Infelizmente esse termo, apesar de consagrado pelo uso, fornece a ideia de retirada lenta e gradual da ventilação mecânica, e não a completa interrupção do suporte ventilatório. Por isso, alguns autores sugerem o termo “liberação” ou invés de “desmame”.
Extubação é a retirada do tubo endotraqueal, isto é, da via aérea artificial. Dependendo do tempo que o paciente permanece fora da ventilação mecânica, fala-se em sucesso (>48 horas) ou fracasso (<48 horas) na extubação. Nos pacientes em ventilação mecânica prolongada, isto é, aqueles com dependência de suporte ventilatório por mais de 21 dias, o sucesso do desmame é alcançado quando se está fora da ventilação mecânica por mais de 7 dias.
De acordo com a dificuldade para tolerar a ventilação espontânea, o desmame é classificado em:
- Simples: se a retirada ocorre no primeiro teste de respiração espontânea (TRE).
- Difícil: se a retirada se dá em até 3 TRE, ou em até 7 dias após o primeiro TRE.
- Prolongado: o paciente falha em mais de 3 TRE ou necessita de mais de 7 dias após o primeiro TRE.
Condições para Desmame
Uma vez que a doença que motivou a necessidade do suporte ventilatório já se encontra resolvida ou sob controle, deve-se considerar a possibilidade de iniciar o processo de desmame. Para isso, as seguintes condições devem ser observadas:
- Estabilidade hemodinâmica (sem aminas vasoativas ou em uso de baixas doses dessa medicação; boa perfusão tecidual; ausência de insuficiência coronariana descompensada ou arritmias com repercussão hemodinâmica);
- Adequada troca gasosa (PaO2 ≥ 60mmHg; FiO2 ≤ 0,4; Relação PaO2/FiO2 > 200 e PEEP ≤ 5-8 cmH2O);
- Paciente com drive respiratório presente, ou seja, é capaz de iniciar esforços respiratórios;
- Nível de consciência adequado (Escala de RASS de 0 a -2, ou próximo do basal do paciente);
- Ausência de distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos acentuados e com repercussão clínica.
Protocolo de Desmame da Ventilação Mecânica
Para a realização do Teste de Respiração Espontânea (TRE) o paciente deve ser desconectado da ventilação mecânica por um período mínimo ideal de 30 minutos, mas não superior a 120 minutos. Nesse intervalo, o paciente é conectado a um tubo T com uma fonte de oxigênio suplementar (paciente desconectado do ventilador) ou é feito ajuste do ventilador para o modo de pressão de suporte (PSV), com valores de 5-7 cmH2O.
Durante todo o teste o paciente deve ser observado de perto com o objetivo de detectar precocemente sinais de intolerância ou falência (tabela 1). É considerado sucesso no TRE pacientes que mantiveram padrão respiratório, troca gasosa, estabilidade hemodinâmica e conforto satisfatórios.
Fala-se em sucesso na interrupção da ventilação mecânica quando o paciente tem um TRE bem sucedido. Esses pacientes devem ser avaliados quanto à indicação de extubação. Alguns fatores importantes devem ser considerados tais como:
- Capacidade de proteção de vias aéreas;
- Quantidade de secreções em vias aéreas;
- Tosse eficaz;
- Nível de consciência;
Para aqueles pacientes considerados de alto risco para estridor laríngeo pós extubação (intubação traumática, intubação por período superior a 6 dias, tubo endotraqueal calibroso, sexo feminino, reintubação após extubação não programada), é recomendada a realização do teste do balonete, conforme explicação na tabela 2.
Caso o teste do balonete seja positivo para edema de vias aéreas mas o paciente está apto para a extubação, parece haver benefício na administração de corticosteróides pelo menos 4 horas antes da extubação.
Nos casos de interrupção do TRE por qualquer motivo dos citados acima, o paciente é reconectado ao ventilador com os mesmos parâmetros em uso anteriormente, objetivando repouso da musculatura por período mínimo de 24h. Possíveis causas para essa falência devem sempre ser perseguidas e tratadas, visando condições de realizar TRE diariamente até o sucesso na extubação.
Para aqueles pacientes que passaram no TRE, foram extubados, mas apresentaram sinais de falência respiratória, a recomendação é que sejam reintubados o quanto antes. Deve-se fazer uma análise dos possíveis fatores precipitantes do insucesso, tratá-los e avaliar novo TRE o mais breve possível.
Uso de Ventilação Não Invasiva (VNI)
Após a retirada da ventilação mecânica, em alguns casos específicos, o paciente pode ser beneficiado com o uso de ventilação não invasiva (VNI). De acordo com o momento que ela é realizada e com o tipo de paciente, a VNI pode ser classificada em:
- VNI Facilitadora: é aquela que é realizada para facilitar a retirada de pacientes da ventilação mecânica, mesmo quando estes não foram bem sucedidos no TRE. O exemplo clássico de pacientes que se beneficiam deste procedimento são aqueles portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), especialmente se retentores de gás carbônico (CO2) (>45 mmHg).
- VNI Preventiva: é aquela que é realizada nos pacientes que passam no TRE, mas que possuem alto risco de reintubação. Fazem parte desse grupo de pacientes:
- Hipercápnicos (PaCO2>45mmHg);
- Idosos;
- Obesos;
- Portadores de insuficiência cardíaca (especialmente se essa foi a causa da falência respiratória);
- Portadores de secreção copiosa em vias aéreas;
- Período maior que 72 horas de ventilação mecânica;
- Mais de uma falência consecutiva no desmame.
- VNI Curativa: é aquela que é realizada nos pacientes que apresentam sinais de falência respiratória, na tentativa de evitar a reintubação. De maneira geral está contraindicada por não haver benefícios comprovados na literatura, com exceção de pacientes cirúrgicos. Esse procedimento não deve nunca retardar a reintubação do paciente!
Desmame Prolongado
Apesar de todo esforço na tentativa de retirada precoce dos pacientes da ventilação mecânica, em uma porcentagem de pacientes esse objetivo não será atingido da maneira desejada. Nesse grupo está recomendada a realização de traqueostomia de modo geral em torno do 14º dia de ventilação mecânica, ou antes, naqueles pacientes com previsão de suporte ventilatório prolongado.
As causas da falência respiratória podem incluir a própria doença de base (por exemplo: DPOC fase terminal), distúrbios endocrinológicos, eletrolíticos, nutricionais, musculares dentre outros. Após a estabilização destas condições, é recomendado que esses pacientes sejam colocados em TRE diariamente, com uso da peça T, com aumento progressivo no tempo. Caso haja intolerância ao teste, serão reconectados à ventilação mecânica para descanso não inferior à 24 horas.
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Referências
1- Barbar, Carmen Sílvia Valente et al . Recomendações brasileiras de ventilação mecânica 2013. Parte I. Rev. bras. ter. intensiva, São Paulo , v. 26, n. 2, p. 89-121, June 2014. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507X.20140017.
2- Barbas, Carmen Sílvia Valente et al . Recomendações brasileiras de ventilação mecânica 2013. Parte 2. Rev. bras. ter. intensiva, São Paulo , v. 26, n. 3, p. 215-239, Sept. 2014. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507X.20140034.
3- Goldwasser R, Farias A, Freitas EE,et al. Desmame e interrupção da ventilação mecânica. In: Carvalho CR, coordinator. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica. J Bras Pneumol. 2007;33(Suppl 2S):S128-S136
4- McConville ,John F., Kress, John P. Weaning Patients from the Ventilator. N Engl J Med 2012;367:2233-9.
5- Schmidt, Gregory A., et al. Liberation From Mechanical Ventilation in Critically Ill Adults. CHEST 2017; 151(1):160-165