Geriatria: desafios no manejo do paciente e no ensino médico

Panorama demográfico

A transição demográfica representa uma evolução da sociedade e apresenta-se em diferentes fases ao redor do mundo. No Brasil da década de 70, o grupo composto por indivíduos acima de 65 anos representava cerca de 3,5% da população. Nos anos 2000 essa porcentagem cresceu para 5,5% e estima-se que até 2050 esse grupo etário corresponda a aproximadamente 20% da população.

Neste contexto, a população médica em geral deve se preparar para atender pacientes idosos, indivíduos que apresentam várias peculiaridades no manejo clínico diário. É importante termos em mente que todas as etapas dos cuidados associados à saúde sofrem modificações e apresentam exigências a depender da faixa etária em questão. Sendo assim, para atender aos objetivos da promoção da saúde, da prevenção, do tratamento, da reabilitação funcional e social, além dos cuidados paliativos, treinamentos especificamente voltados para o atendimento da população idosa foram se desenvolvendo, se aprimorando e ganhando mais espaço na academia médica.

O manejo do paciente geriátrico

O manejo do paciente idoso é um desafio para toda equipe multidisciplinar assistente. O médico deve atentar-se a diversos detalhes importantes e considerar que, com o avançar da idade, a prevalência de doenças e a possibilidade de sobreposição de comorbidades aumenta.

O raciocínio clínico que guia a busca por uma unidade diagnóstica não se aplica à realidade da população geriátrica e isto torna-se um dificultador na condução dos casos clínicos uma vez que exige do médico assistente um conhecimento amplo a respeito de diferentes especialidades médicas.

Alterações fisiológicas da idade

O processo de envelhecimento gera diversas alterações antropométricas que culminam com uma mudança na fisiologia do organismo como um todo. Estudos antropométricos sugerem que com o avançar da idade há uma diminuição da massa corporal, da massa livre de gordura e da altura, associado à uma modificação no percentual hídrico do corpo e à uma remodelação do tecido adiposo, favorecendo a presença da gordura central em detrimento da periférica. Todas essas alterações influenciam diretamente na farmacologia do paciente idoso e isso é crucial para o correto manejo destes pacientes.

A polifarmácia e o “efeito cascata”

A polifarmácia é outro ponto fundamental que deve ser lembrado no atendimento do paciente geriátrico. Dados brasileiros sugerem que, dentre a população idosa, aproximadamente 30% dos indivíduos está exposto à prescrição de múltiplos medicamentos. O “efeito cascata” após a prescrição de medicamentos é objeto de estudo diário e deve ser um sinal de alerta na hora do atendimento dos idosos em geral. 

Depressão, alterações cognitivas e metabólicas, coronariopatias e eventos sentinelas

A relação entre depressão e coronariopatia é um ponto importante ao qual o médico assistente deve atentar-se no manejo do doente idoso. Assim como o risco de quedas como um evento sentinela que pode representar a manifestação inicial de uma miríade de comorbidades, assim como pode ser o gatilho para diversos outros problemas como traumas, cirurgias, internações e até para complicações que culminam com a morte.

Alterações na homeostase secundárias ao avançar da idade, associado à distúrbios hidroeletrolíticos podem representar o gatilho para manifestações neurológicas que mimetizam situações patológicas como a própria síndrome demencial. Neste contexto, conhecimentos relativos à hiponatremia, à avaliação do delirium, à distúrbios do sono e à  Demência de Alzheimer devem ser de domínio de todo médico que atende pacientes idosos.

Alterações hormonais e autonômicas podem ser responsáveis por mudanças no perfil pressórico do idoso carecendo investigação e cuidados específicos. Sobreposições entre doenças cardíacas e condições neurológicas graves podem dificultar esse manejo e condições clínicas como a síncope devem ser detalhadamente investigadas.

Propedêutica no paciente idoso e cuidados com a fragilidade

A investigação da perda ponderal involuntária no idoso representa um desafio a parte uma vez que fica difícil, a princípio, excluir diagnósticos sem uma investigação detalhada e precisa, considerando que o doente geriátrico apresenta, virtualmente, maiores riscos de desenvolver diferentes tipos de doenças ao longo do avançar da idade.

Por fim, a fragilidade do doente idoso requer cuidados pontuais e um preparo específico de toda equipe multidisciplinar. A vulnerabilidade física e psicológica deste perfil de paciente exige preparo do médico assistente para uma condução adequada e humana.

A discussão sobre os cuidados paliativos visando um maior conforto e uma maior qualidade de vida para o paciente idoso torna-se imperativa na condução do caso clínico mesmo antes de situações ameaçadoras à vida surgirem, empoderando o paciente lúcido e permitindo-o uma maior autonomia e um maior estreitamento nos laços entre a relação médico-paciente.

O treinamento médico voltado para os cuidados do paciente idoso

Com o aumento proporcional da população geriátrica é de se esperar que os médicos de todas as especialidades se preparem para atender com excelência esse perfil de doente. Por esse motivo, o estudo baseado em casos clínicos em geriatria torna-se uma ferramenta didática interessante para o ensino de médicos de diferentes formações e serve como um reforço pontual para o aprimoramento de habilidades de médicos especialistas em geriatria/gerontologia.

Pensando nisso, em 2016 o experiente geriatra Dr. Ulisses Gabriel de Vasconcelos Cunha e a Dra Débora Pereira Thomas publicaram o livro “Geriatria: casos clínicos”, o qual reúnem centenas de situações clínicas enfrentadas diariamente no atendimento do paciente idoso e destrincham desde o raciocínio diagnóstico à melhor conduta terapêutica a ser abordada caso-a-caso. Fica aí nossa dica de leitura!

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