Tempo de leitura: 4 minutos.
O primeiro passo na caracterização da Síndrome Coronariana Aguda (SCA) é identificar adequadamente a clínica do paciente com dor torácica.
Para mais informações sobre como caracterizar a SCA, acesse nosso texto: Aprenda a caracterizar a síndrome coronariana aguda.
Feito isso, devemos definir se estamos diante de uma SCA com ou sem supradesnivelamento do segmento ST (SST): lançamos mão do eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações em até 10 minutos da admissão.
Quando o paciente se apresenta com dor torácica tipicamente anginosa e um ECG normal, não se deve, de forma alguma, descartar SCA. Deve-se seriar o exame, aumentando a sensibilidade diagnóstica em mais de 80%.
Para mais informações sobre como identificar eletrocardiograficamente a dor torácica anginosa, leia nosso texto: Identificando a SCA sem supradesnivelamento do segmento ST.
Ao receber o ECG de um paciente com dor torácica, é estritamente essencial que o médico assistente saiba identificar um supradesnivelamento do segmento ST. Para tal, observe o ponto J: que representa o ponto de união do complexo QRS com o segmento ST. É por meio do deslocamento deste ponto que identificamos se houve ou não o supradesnivelamento. O ponto J pode ser visualizado na figura abaixo:
O que significa e por quê ocorre esse desnivelamento do segmento ST?
O segmento ST representa a repolarização dos ventrículos e, em situações normais, se apresenta como uma onda relativamente isoelétrica. Na condição de isquemia aguda ocorre alteração elétrica na área lesada, criando um gradiente de voltagem entre as zonas normal e isquêmica e, consequentemente, um fluxo eletrofisiológico (chamado de “corrente de lesão”) representando no traçado eletrocardiográfico como desvio do segmento ST da linha de base isoelétrica. A polaridade e a magnitude desse desvio dependem da localização e da gravidade do insulto isquêmico.
Em caso de isquemia aguda grave (geralmente de toda a parede cardíaca – transmural) o vetor ST é deslocado em direção as camadas mais externas (epicárdica e subepicárdica) produzindo elevação de ST sobre a região infartada, o famoso supradesnivelamento.
Esse desnivelamento tem relevância se houver elevação ≥ 0,1 mm em relação a linha de base em pelo menos duas derivações contíguas (determinando uma área cardíaca), o que configura SUPRA ST. No entanto, é importante ressaltar que em V2 e V3 essa elevação depende do sexo e da idade, e possui valores de referência diferentes: para homens com menos de 40 anos, considera-se elevação a partir de 2,5 mm; em homens com 40 anos ou mais, 2 mm e; em mulheres, a partir de 1,5 mm.
Por tanto, o desnivelamento do segmento ST decorre da injúria causada pela obstrução de uma artéria do coração. Inicialmente, o desnivelamento ocorre com a concavidade para cima e onda T positiva, como evidenciado na figura pelas setas vermelhas na figura 3. Esse momento representa a pior fase da evolução, em razão da maior possibilidade de ocorrer fibrilação ventricular.
Ainda como parte da avaliação do traçado eletrocardiográfico é possível reconhecer qual parede cardíaca foi afetada e qual a possível coronária atingida. Isso só é possível de acordo com o conhecimento anatômico sobre a irrigação das paredes cardíacas e com a disposição dos eletrodos representando as paredes.
Atente-se para a seguinte situação: quando o ECG apontar supradesnivelamento de ST na parede inferior, obrigatoriamente deve ser investigado o acometimento do ventrículo direito, solicitando as derivações precordiais direitas V3R e V4R. Além disso, também é importante procurar pelo infradesnivelamento do segmento de ST em V1 e V3. Caso este esteja presente, é necessário avaliar as derivações dorsais V7, V8 e V9 a fim de avaliar o acometimento ínfero-dorsal do coração.
Por fim, é imprescindível atentar-se para a existência de bloqueios de ramo esquerdo e direito: O bloqueio de ramo esquerdo (BRE), é o bloqueio do impulso elétrico no ramo esquerdo do feixe de His. Quando presente, causa alteração de toda a repolarização ventricular, e dificulta a visualização de supra de ST, o que deixa o diagnóstico mais complexo. Nesses casos, se há uma clínica sugestiva de SCA associada à instabilidade hemodinâmica, elétrica (por meio de arritmias) ou insuficiência cardíaca grave, o paciente deve ser submetido imediatamente à coronariografia.
No caso dos pacientes que não apresentarem esses sinais, ou seja, dos pacientes estáveis, é preconizado o uso dos Critérios de Sgarbossa, validados para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio na presença de BRE.
Caso a pontuação seja maior ou igual a 3 pontos, a especificidade chega a 98% para Infarto Agudo do Miocárdio com supra de ST. Então, se positivo, o paciente é candidato a terapia de reperfusão. Caso seja negativo, ou seja, menor que 3 pontos, seu valor é limitado, tendo em vista sua baixa sensibilidade. Nesses casos, pode-se lançar mão da ultrassonografia à beira-leito à procura de déficits segmentares, seriar ECG, ou mesmo, em pacientes em que a clínica é forte, indicar a coronariografia.
É importante ressaltar que, habitualmente, o bloqueio de ramo direito (BRD) não prejudica a visualização do supra de ST. Foi observado, no entanto, que pacientes com Infarto Agudo do Miocárdio e BRD novo, ou presumivelmente novo, têm pior prognóstico. A justificativa da associação não é bem elucidada. Por isso, caso o paciente tenha clínica de SCA e BRD que, eventualmente, atrapalhe a interpretação eletrocardiográfica, ele deve ser submetido à coronariografia precoce.
Referências
1 – Nicolau JC, et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021
2 – Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD. Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020
3 – Piegas LS, et al. V Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST – 2015.
4 – Pastore CA, et. al. III Diretrizes Da Sociedade Brasileira De Cardiologia Sobre Análise e Emissão De Laudos Eletrocardiográficos. SBC, 2016.