O período neonatal corresponde ao intervalo de tempo que vai do nascimento até o momento em que o bebê atinge 28 dias. O manejo da via aérea de neonatos apresenta uma diversa gama de desafios que contrastam com a abordagem da via aérea madura no adulto. Nesse contexto, um estudo feito em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatais identificou uma estatística interessante: até 20% das intubações orotraqueais neonatais relataram eventos adversos e alarmantes 50-69% apresentaram dessaturação durante o procedimento.
Diferenças anatômicas e fisiológicas da via aérea em neonatos
Existem 11 diferenças anatômicas principais que ocorrem entre os neonatos e adultos.
A tabela abaixo faz um resumo desses achados, que em sua maioria são relacionados a tamanhos desproporcionais de estruturas da via aérea que podem dificultar o alinhamento dos eixos laríngeo, faríngeo e oral para realização de uma intubação orotraqueal.
Tabela 1: Aspectos anatômicos da via aérea neonatal. |
Crânio proporcionalmente maior que o corpo. |
Língua proporcionalmente maior que a cavidade oral. |
A epiglote é angulada sobre a entrada laríngea. |
A epiglote é proporcionalmente mais longa e em formato de “U” invertido ou ômega. |
O eixo da entrada laríngea é angulado anteriormente, sendo direcionado para a base da língua. |
A laringe tem posicionamento mais superior, com posição relativa as cordas vocais em C3. |
A porção mais estreita da laringe é a cartilagem cricóide. |
As dobras ariepiglóticas são mais próximas da linha média e podem obstruir a visão das cordas vocais. |
O conjunto das aritenóides, cartilagens corniculada e cuneiforme são proporcionalmente maiores que a entrada da larínge. |
O angulamento da comissura anterior é para fora da entrada laríngea. |
Cartilagens laríngeas flexíveis são mais sujeitas a compressão na manipulação laríngea externa. |
Alterações fisiológicas em neonatos
Neonatos estão em constante transição entre sua moradia uterina prévia e o ambiente externo. Além disso, suas demandas fisiológicas de crescimento corporal contínuo estão o tempo todo pressionando sua própria capacidade funcional. Esse comprometimento entre funcionalidade e crescimento é manifestado na via aérea e na fisiologia respiratória.
Os volumes pulmonares são desproporcionalmente menores em relação ao tamanho corpóreo e sua taxa metabólica. Isso resulta em grandes aumentos de requerimentos ventilatórios por unidade de volume pulmonar e consequente aumento da frequência respiratória para suprirem essa demanda.
Nesse contexto, os neonatos têm um volume corrente muito baixo, o que aumenta o estresse no sistema respiratório, principalmente no caso de aumento de espaço morto desproporcional. A resistência de vias aéreas e extratorácicas é aumentada devido ao calibre reduzido de subdivisões medianas e da passagem nasal.
Por fim, vários fatores impactam na capacidade residual do neonato e levam a um menor tempo de apneia durante manipulação de via aérea. Observe na tabela abaixo:
Tabela 2: Fatores que impactam na capacidade residual funcional do neonato. |
A pressão pleural é próxima a atmosférica em neonatos, o que contrasta cm valores médios de -5,0 cm H2O em adultos. |
O recuo externo do tórax é extremamente pequeno, dada a caixa torácica predominantemente cartilaginosa e músculos menos desenvolvidos da respiração. |
O recuo interno do tórax também é diminuído moderadamente. |
Avaliação e preparação para intubação
A preparação de equipamentos e a investigação da história clínica do neonato é essencial para mitigar o risco. Equipamentos específicos devem estar prontamente disponíveis para abordagem da via aérea do neonato e incluem, por exemplo: sonda de aspiração funcionante, máscara facial, laringoscópio adequado e lâminas extras testadas, tubos de tamanhos variados, seringas, cânulas orofaríngeas e dispositivos supraglóticos de resgate.
Sobre a história clínica, três fatores são muito importantes para se identificar: a prematuridade, patologias congênitas e patologias abdominais. A prematuridade revela estrutura pulmonar imatura com relativa falta de produção de surfactante, além da susceptibilidade a episódios de apneia após ser submetido à anestesia geral ou hipoxemia. As patologias congênitas alertam para possíveis alterações anatômicas faciais que podem ser preditores de via aérea difícil. Por fim, patologias abdominais reduzem o tempo de apneia para dessaturação, além de gerar impacto no esvaziamento gástrico e aumentar risco de aspiração.
Os neonatos são mais sensíveis para estímulos mecânicos e irritantes na via aérea sugerindo que possuem um período de excitabilidade laríngea transitória. Os reflexos protetores de via aérea de tosse e deglutição visto em crianças maiores não são consistentemente vistos em neonatos. Ao invés disso, eles podem responder com pausas respiratórias, laringoespasmo e apneia central, com consequente bradicardia.
A maioria das intubações neonatais ocorre dentro das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatal ou na sala de parto. Quando uma via aérea difícil é antecipada, é recomendado o transporte do paciente para o Centro Cirúrgico. Esse passo permite maior disponibilidade de equipamentos especializados, além de uma maior concentração de médicos especializados em suporte à via aérea, tanto para abordagem anestésica quanto cirúrgica.
Técnicas de manejo de via aérea
As técnicas essenciais para o manejo da via aérea dos neonatos incluem: ventilação por máscara facial, utilização de dispositivos supraglóticos e intubação orotraqueal. Além da preparação dos equipamentos é necessário o posicionamento ótimo do paciente antes do início do procedimento.
1. Posicionamento neonatal com coxim nos ombros:
Para técnicas de ventilação manual em neonatos, cuidado especial deve ser dado para evitar compressão de partes moles do tecido submentual, que podem levar a obstrução mecânica da via aérea.
2. Técnicas de ventilação manual em neonatos:
3. Pré-medicações:
Discutindo com mais detalhes a intubação orotraqueal, uma das recomendações mais fortes (1A) diz respeito ao uso adequado de pré-medicações sedativas e bloqueadores neuromusculares, que foi associado a maior sucesso de intubações e menores complicações. Quando em doses adequadas, essas drogas fornecem maior visualização glótica, menos trauma de via aérea e menor número de tentativas para intubação. Claro que existem situações clínicas específicas que seu uso pode não ser o mais adequado, como por exemplo, em situações em que o paciente não toleraria efeitos hemodinâmicos das medicações sedativas ou nos casos de pacientes que necessitem de intubação imediata de emergência para se recuperarem.
4. Escolha do tudo endotraqueal:
O tamanho do tubo endotraqueal para neonatos geralmente depende do peso e do julgamento clínico. O maior tubo possível deve ser escolhido idealmente como forma de reduzir a resistência de vias aéreas. Como recomendação geral para neonatos, Park e colaboradores recomendam 3,0 mm com cuff para neonatos maiores de 3 kg; 3,0 mm sem cuff para 1,5 a 3,0 kg e 2,5 mm sem cuff para menores que 1,5kg.
Tradicionalmente o uso de tubos sem cuff ou balonete têm sido amplamente usados na população neonatal baseado no entendimento de anatomia da via aérea neonatal. Entretanto, a literatura é conflitante em suas indicações, visto que muitas vantagens potenciais podem ocorrer devido ao uso de tubos com cuff e incluem menor vazamento de ar, menor manipulação de via aérea, maior proteção contra aspiração e menor trauma direto relacionado a colocação de tubos endotraqueais de outros tamanhos.
No caso do uso de tubos com cuff ou preferencialmente microcuffs, que possuem melhor encaixe anatômico, posição mais distal e selagem em pressões menores, cuidados extras devem ser tomados. As pressões do cuff devem ser medidas regularmente e mantidas menor que 25 cmH2O, com a finalidade de minimizar o risco de trauma no caso de excesso de insuflação.
5. Escolha da via de intubação: nasal versus oral
A escolha de intubação nasal ou oral para neonatos depende do julgamento clínico e de protocolos institucionais. Tubos nasais são vistos geralmente como mais seguros e mais confortáveis para os pacientes, apesar de revisões recentes da Cochrane não indicarem diferenças significativas entre as técnicas.
Para a laringoscopia direta a preferência é o uso de lâminas retas Miller 0 e 1 para neonatos. A videolaringoscopia é outra forma de abordar a via aérea, com visualização indireta das estruturas através de tecnologias de vídeo. Apesar do seu uso estar associado com melhores taxas de sucesso e menos complicações no acesso a via aérea, é necessário prática e treinamento com o equipamento antes de usá-lo em situações emergenciais.
Por fim, a via aérea difícil no neonato, com prevalência estimada em 14% em um estudo em UTIs neonatais, tem origem multifatorial. A rápida desaturação, menor capacidade residual funcional, maior consumo de oxigênio e menor chance de sucesso usando técnicas avançadas de resgate de via aérea contribuem para essa dificuldade. Uma técnica descrita para abordagem desses pacientes é o uso da fibroscopia flexível por dentro de uma máscara laríngea previamente introduzida.
Take Home Message
As diferenças anatômicas e fisiológicas dos neonatos contribuem para um manejo de via aérea desafiador.
A preparação dos equipamentos de via aérea antes da intubação é essencial, visto que neonatos tem baixo tempo de apneia e dessaturação.
O uso adequado de pré-medicações sedativas e bloqueadores neuromusculares foi associado a maior sucesso de intubações e menores complicações.
Referências
1 – Park, RS; Peyton JM; Kovats PG. Neonatal Airway Management Clin. Perinatal. 2019.
2 – Mick NW et al. The difficult pediatric airway. Inurl: <uptodate.com>. Acesso em Abril/2020.